terça-feira, 4 de setembro de 2012

deGeneration Gap


“Há, em Massa-Má, mui ilustre inquilino,
Que assim quis, caprichoso, o destino,
Já que, merecendo palácio e outros que tais favores,
Num arranco de modéstia, preferiu os arredores,
Onde habita, em conjunto com a sua prole,
Qual magnífica corte em torno do Rei Sol,
Ou coisa que, assim, lhe possa ser comparada…”

Isto mo diz, do alto da sua montada,
O meu fiel pajem, que é homem informado
E ao corrente do que, neste reino malfadado,
Se vai passando, entre a corte e os reguengos,
E quer com gente nobre quer com leigos.
Diz-mo à hora em que vai soprando aragem
E saímos nós, a trote, de uma estalagem,
De bucho cheio de um bem regado jantar,
Que, a pé fôramos nós, nos faria cambalear.
Quer a sorte, igualmente, que o lugar de repasto,
Donde saímos trazendo um tão pesado lastro,
Fique ali a duas, três portas de distância
Da residência dessa figura de suma relevância,
E neste entretanto, com avinhatada voz, e lenta,
O meu denodado pajem, tartamudeando, acrescenta:

“Olhai, Vossa Senhoria, essa jovem que saiu agora,
E que vem, por sinal, passear um canito cá fora;
Pois saiba, se minha cabeça não está errada,
Que tal jovem é, do ilustre inquilino, a enteada.”
E eu, que ébrio – admito-o - já mal o ouço,
Reparo, nomeadamente, e porque caberia num bolso,
Lá no ladrador da casa, que deveria estar aflito,
Pois, terminando o seu périplo, logo largou um caganito
No empedrado do passeio, que ali ficou, enrijecendo.
É certo que deixará qualquer sapato num estado horrendo,
Quando, ao outro dia, qualquer um,
Por incúria, distracção, pisar o dito merdum!
Pois, sendo assim, diga-se sem qualquer cinismo,
Que isto é tudo menos agir com civismo!
O meu pajem concorda, e eu acrescento,
Procurando extrair o bom de tão ruim acontecimento:

“Pajem, não sei se perceberás, sendo tu da plebe,
Mas temos aqui exemplo do generation gap:
Quanto aqui o espécimen canino defecou,
Será, quando muito, pisado. Limpa-se, e já passou;
Já quanto ao padrasto, atola-nos em merda que mete medo,
E o mau cheiro dela, é certo, não nos passará tão cedo!...”

“Vossa Senhoria, agora o digo eu, sem qualquer cabala:
Quando se está metido na merda, que diferença faz pisá-la?...”

El Rey Ninguém

Nota: ilustração da autoria de A. Jorge Caseirão (in "Desenho: Do Exército do Quinto Império").

1 comentário:

  1. "Quando se está metido na merda, que diferença faz pisá-la." A coisa cheira mal, muito mal, mas se os que produzem tais dejectos,refiro-me ao(s )patrono(s), não ao canito, fossem obrigados a engoli-la,seríamos o reino "mui Lavado" da europa. O problema é que há muito povo a limpar o rabo ao porcalhão e a aplaudir a imensa porcaria que destrói a nação.
    Cá por mim , quando passar por Massa-Má, vou levar uma máscara e um cajado de lodão e se me cruzar com tão fedorentas personagens vou moer até não poder mais.
    Grande abraço,
    Luís Sérgio

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