sábado, 29 de setembro de 2012

Let's Switch Places!...

Para a Ana Cristina Martinho

Um dia destes vai ser assim: só por pirraça
vamos amputar o prefixo à desgraça,
vamos fazer o contrário do que tem sido,
ser o reflexo de lado de lá do vidro.
Por isso, vou apresentar-te uma proposta
tão bem elaborada, que não se possa,
em perfeito juízo, recusar. O primeiro outorgante,
pois claro, serás tu, cancro multiplicante,
e o segundo, naturalmente, serei eu, esta carne
onde, abusadamente, te instalaste sem avisar-me.
Não te quero enganar, bem pelo contrário -
para veres, quero até registar em notário
esta nossa, como dizê-lo?, alteração contratual,
tudo conforme preceituado em lei laboral,
tudo feito com transparência, preto no branco.
Ahn? Que me diz a isto, Sr. Cancro?
Não estou a fim, entre nós, de mais acintes,
por isso, a minha proposta é bem simples
e, para começar, procederemos, então, assim:
sairás, calmamente, para fora de mim
e trocaremos de lugar, só isso, apenas isso,
uma coisa temporária, sem qualquer compromisso,
só para sabermos, quase por desporto,
como será cada um de nós ser o outro.
Só não podes, é claro, esperar que eu aja
como tu comigo, mas vais ver que encaixa
na mesma, com o teu, este meu feitio,
porque é certo que ainda tenho algum brio
que o meu ser se entranhe e permaneça
num outro ser que me acolha e receba.
Como vês, até temos bastante mais em comum
do que supúnhamos, e eu, perfeitamente, assumo:
gosto também de me multiplicar, fremente,
em especial num coração onde tenha posto semente.
É isso que farei contigo: semear um grão de amor
nesse inóspito chão, nesse horto de torpor
que deve ser o teu coração, se é que o terás.
Mas isso, para o efeito, na verdade tanto faz;
sei da força desta semente, sei quanto é vasta,
deita raiz na própria rocha, vivifica, jamais castra.
E digo-te já, caro amigo, o que faremos depois:
ensinar-te-ei a aconchegar, de mansinho, os lençóis
na cama de quem seja, frágil, o fruto
de um outro amor, o amor conjunto,
que é outra coisa que devias experimentar,
pois à vez de andares, por aí, obcecado, a multiplicar,
devias parar, seguir o meu conselho, e reflectir
como é bem preferível andar neste mundo a dividir…
Mas vai com calma, não te precipites, é pior,
amar aos pedacinhos, mas amar, é bem melhor.
Ama assim, como te ensino, que ao fim e ao cabo
nem te darás conta, um dia, de teres mudado.
E se, porventura, te perguntarem o que aconteceu,
responde, simplesmente, que o teu cancro, agora, sou eu…


El Rey Ninguém


Nota: foto da autoria de A. Jorge Caseirão (in "Fotografia: Natureza-Morta, Classic.").





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