quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Vacas Gordas

Ah como era bom e havia certezas
No tempo das vacas morbidamente obesas!...
Não havia sonho que não fosse inédito,
E se fosse, abria-se uma linha de crédito
Com suaves prestações e atractivas,
P’ra ir passar quinze dias às Maldivas.
Sem saber se o vizinho era Joaquim ou Manel,
Gabávamos, de distantes paragens, o hotel,
Nomeadamente o serviço de buffet e a piscina,
Coisas, no mínimo, a 3000 km da esquina,
E onde não sabíamos sequer o nome do garçon
Pronunciar. Mas alegávamos: ‘Aquilo é que é bom!...’
E viéramos sem saber saber se naqueles pratos
Comêramos bifes ou solas de sapatos…
Também não importava: movidos pela gula,
Com créditos empilhados até à espinal medula,
Tínhamos direito a tudo, comprávamos tudo:
O relógio, o Tom-Tom, o vison e o sobretudo,
E o último grito da tecnologia alemã,
P’ra ir tomar café a 100m, logo pela manhã.
‘E só as jantes, amigo, foram um balúrdio!...’
Pois, que dizer?... Mais um gasto estapafúrdio,
Como outros tantos, p’ra engrandecer a vidinha,
E como “a da vizinha é sempre maior que a minha”,
Não conseguiste parar, foste em espiral,
Juntaste-te, alegremente, ao real porreirismo nacional  -
Tudo à grande, pois pudera!, e à francesa!
Mas a vaquinha, outrora morbidamente obesa,
Ou por motivos de estética, ou por falta de comida,
Virou anoréctica, e pregou-te uma partida;
Não há fartura que não dê em miséria. E agora, moço?
Pois olha, não havendo chicha… é hora de roer o osso!

El Rey Ninguém
(voltado, momentaneamente,
para a exploração agro-pecuária)

sábado, 24 de setembro de 2011

Eu não fui! Eu também não!...

Quando pega o bicho na fruta
Assiste-se a cada disputa
Que não lembra sequer ao diabo…
Há coisas que ninguém quer levar a cabo,
E isso, simplesmente, por questão de memória,
Quando alguém se dispuser a contar a história.
Vejamos: num lugar remoto, no meio do campo,
Dois carrascos limpam o sarampo
A um velhote a quem já davam os chiliques -
A sua graça, Afonso, o sobrenome, Henriques;
E o busílis de toda a questão
É não chegarem a um acórdão
Sobre quem descerá à sepultura
A carcaça de tão cadavérica criatura,
Porque, segundo consta, não importa
Quem tenha trucidado a aorta
E feito mirrar os órgãos ditos vitais,
Pois, entre os dois algozes nacionais,
A única ralação, a que vem primeiro,
É não querer ser lembrado… como o coveiro!

El Rey Ninguém
(a preencher o formulário de candidatura
p’ra prestar serviço na morgue do Panteão…)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Quadras Vesgas

Ainda mal raiara o dia
E eu limpara a nocturna baba do lábio,
Eis que um escândalo de oftalmologia
Irrompe pelas colunas do rádio!

Vão prá escolinha e pró colégio
Fazer exames às vistas
E vêm de lá – sortilégio! –
Com carimbo de contrabandistas,

Sob o envilecedor argumento
De que para ali vão, a saber,
Com um só pensamento,
Que é, cito, “vender, vender, vender!...”

E, meus senhores, não se trata só disso:
Consta que, nesse belo bico-de-obra
(Que está a gerar rebuliço,
Pois, parece, vendem a banha da cobra),

Pelo jeito e em vez da oferta
De um par de óculos de sol,
Só falta a venda directa
De lentes estilo garrafa de Sumol!

Ora, que posso eu dizer senão… “discordo”!?
Sou, inclusive, a favor da campanha,
Pois neste país, grosso modo,
Miopia não é decerto coisa estranha

À maior parte da populaça,
E, pior que isso!, não é por este exame
Que a maleita regride e passa;
Isto não é tecnologia do Tio Sam,

Rege-se por diferentes directrizes,
Bem mais dignas de figurar no cardápio
Do festival de Vilar de Perdizes,
Onde um qualquer Mané é Esculápio!


Quer-me parecer que há muito tempo
Que anda míope o nosso Zé:
Só vê o fora, não vê o dentro,
Não vê a realidade como ela é,

Tem, por assim dizer, a visão distorcida
De tanto lha mostrarem desfocada,
E, assim, fazem-no viver uma vida
Que, de vida, pouco tem ou quase nada!

Se tudo isto fosse ao contrário,
Ainda do mal o menos,
Mas miopia tornou-se um fadário
Desde há meia-dúzia de governos,

E agora parece que não há volta a dar
Para, enfim, se resolver este frete,
Pois onde já havia buraco de assombrar,
Só viam, eles, o cu dum alfinete!

E nós, cegos que nem toupeira,
Fomos na cantiga do bandido,
E agora eis-nos aqui, um povo à beira
De, além de vesgo, ficar f… falido!...

El Rey Ninguém
(se já via mal ao perto, agora, 
ao longe, ainda pior...)

domingo, 18 de setembro de 2011

Buraco Cósmico


Talvez isto seja ainda só o começo…
Produzem-se, afinal, fenómenos maravilhosos
Na vasta imensidão deste universo,
Um prato cheio para a turba de curiosos
Que não quer deitar os pés à cova
Sem antes ver, sei lá, o colapso da supernova,
Ou um buraco negro a engolir, de vez,
Os pólos e as Américas, a Ásia e a Europa
(E assim vai à vida o V Império português
E ficamos, de boa, tesos, sem dinheiro e sem roupa!...)
Eis o último: o Zé Povinho recebe o convite
Para ir à boda de um primo em enésimo grau,
E como não quer fazer figura de biltre
Decide comprar umas calcinhas estilo “Eh carapau!”
O pano é do bom e do melhor, seda fina,
C’os bolsos reforçados, p’ra coçar a tomatina…
E ei-lo!, o Zé Povinho, a fazer um figuraço
Por entre tios e primos, padrinhos e afilhados,
Nariz empinado e a alongar o passo,
Com especial orgulho nos bolsos reforçados…
Mas o Zé Povinho nem sabe o que o espera,
E chegado ao domingo, em plena boda,
Zé Povinho está no pico da vivência da quimera:
É o Rei da Parolândia, e o resto, claro, que se f***!...
Mas o universo, que é um sítio insondável,
Tem guardado, à segunda-feira, uma surpresa
Que constitui um evento, no mínimo, notável:
Zé Povinho mete as mãos nos seus bolsos de realeza,
Mas, em vez da textura dos seus c******,
Depara-se, em vez... c’um buraco de 1000 milhões!...

El Rey Ninguém
(a considerar seriamente 
uma carreira na astrofísica...)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O Caminho do Meio

É no meio desta gente, abatida e carrancuda,
Que faz sentido a diária pregação
Dos milenares ensinamentos do Buda,
E isso a começar, desde logo, pela condução
Dos nossos destinos por alguma vereda
Ao cabo da qual o Iluminado por nós interceda
E assim ascendamos, porventura, ao Nirvana.
Não é fácil lá chegar, como se sabe,
Mas onde a alma tantas vezes se engana
E não cumpre com aquilo que lhe cabe,
Bem mais espinhoso se torna o caminho,
Pedregoso, incerto, e feito, tantas vezes, sozinho…
Mas há sinais, e são, digo-o eu, bem evidentes,
A despeito das dúvidas que vivemos,
De que as sofredoiras e lusas gentes
Trazem os ânimos agora mais serenos,
Tanto que afirmarei, sem qualquer receio,
De que muitos mais seguem o Caminho do Meio,
Tal qual o Buda pôs em preceito
Como via para um espírito impoluto e probe:
Não é o esquerdo, muito menos o direito,
Mas o do meio, em pleno IC 19,
Aquele que serve para, em trânsito solene,
O cidadão andar em estado Zen!...
O caminho mais à esquerda não serve,
Pois é mau karma que outr’alma se ultrapasse,
E ao mais à direita se fará também greve,
Senão não haveria quem por ali entrar lograsse,
E o Caminho do Meio é de todos pertença,
E não de meia-dúzia, ao contrário do que se pensa.
Senhores automobilistas, no vosso gesto me comprazo,
E nele também, com certeza, o grande Buda,
E mesmo quando levo uns minutos de atraso,
Que dizer?... É mesmo coisa que não muda:
Pouca sensibilidade e ainda menos civismo,
E que eu, oportunamente, aqui disfarcei c’o budismo!...

El Rey Ninguém
(em estado de meditação 
em plena hora de ponta)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Ocasionais vs. Profissionais

Enquanto o país não segue os trilhos da retoma,
Um homem tira as vestes de rei, veste as de plebeu,
Apanha a primeira boleia com destino a Roma,
E vai distrair-se c’os jogos do Coliseu
Quiçá aí a velha receita de sangue, suor e lágrimas
Dê a este velho cronista, assim espero, o pretexto
P’ra lavrar, a bom mote, umas quantas páginas,
Enquanto, lá em baixo, cabeças rolam pró cesto
E outras acabam no estômago das bestas selvagens
Que contribuem, outrossim, p’ra tão bestial espectáculo,
Que traz, dos cantos do Império, a estas paragens
Toda uma turba p’ra quem não constitui obstáculo,
Por maior que seja, toda a distância ou lonjura
Que entre capital e províncias se instale ou medeie,
Certo que tão sádico consolo que a alma aqui procura
Serve, afinal, como calmante às vibrantes tensões da grei.
E o caso é que, desta vez, a coisa, efectivamente, promete,
Com um embate que oporá, na arena, dois titãs,
Os quais revolverão, com seus golpes, o chão inerte,
Aplicando estratégias por certo deletérias e malsãs
A quem ousasse sequer, entre tal gente, interpor-se
Não tendo a vida caucionada por uma qualquer apólice –
Está visto: defrontar gente desta não é decerto pêra doce,
Além de que o gladiador, é sabido, se rege por um códice,
Que tem a vida alheia em pouca ou nenhuma estima,
E daí que, nas mãos destes beligerantes moços
O “limpar o sebo” se torne quase obra-prima,
Onde esborrachar narizes e, já agora, partir ossos
Fazem parte de um não muito apetitoso cardápio!
Quem me conta, com pormenor, tudo sobre este combate
É um simples plebeu, de seu nome Esculápio,
P’ra quem as lutas ascendem a uma quase forma de arte.
É pela sua boca que fico, ardentemente, a saber
Que os gladiadores que entre si vão pelejar
São Armarius Soaris, adversário mítico, bem de se temer,
E um ilustre mas feroz desconhecido: Victor Gastare.
E enquanto não pode ainda arrear umas bujardas,
Armarius Soaris, experiente campeão, e sobremaneira sabido,
Inaugura a luta no movediço campo das palavras,
Conseguindo, no mínimo, deixar Victor Gastare aborrecido!...
O argumento de Soaris é de mui fácil compreensão:
Diz o velho contendor, em tom irónico e paternaal,
Que Victor Gastare pode ter técnica de campeão,
Mas será, em todo o caso, um gladiador… ocasional!
Este argumento é interessante e, aliás, diz muito
Sobre a concepção de Soaris sobre o ser-se gladiador:
Basicamente, é irrelevante se se percebe ou não do assunto;
A única coisa que precisa é, de patoá, ter um ror!
Não sei muito bem porquê, tudo isto me faz lembrar
A minha Terra de Ninguém, onde a real competência,
Na Polis, é coisa que o homem público deverá evitar,
Constituindo, ao invés, paleio e oportunismo uma ciência
A seguir, com todo o escrúpulo, por tais gentes…
Entretanto, diz-me Esculápio que está na hora das apostas:
“Amigo, diz lá quem queres ver ficar sem dentes,
Qual é, em suma, o gladiador de quem mais gostas?...”
Torno-lhe: “Esculápio, na Polis, há dois tipos de indivíduos,
E isto, definitivamente, é bem mister que se perceba:
Profissionais do saber, que no assunto são entendidos,
E profissionais de boca, que do assunto… não sabem peva!
E a diferença fundamental é que os primeiros dos dois,
Por saberem, fazem, por regra, bem, e só ocasionalmente mal;
E quanto aos outros, meu bom amigo, como tu bem verás depois,
Os outros só têm feito merda, e o bem… só a título ocasional!

El Rey Ninguém
(ocasionalmente farto de políticos profissionais…)

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Profecia da Desgraça #1

Por mais que na História se procure,
Não se encontra outro que, tal como Artur,
Esteja p’ra regressar, em meio de brumas,
Ressuscitado, sabe Deus, de que catacumbas,
Ou, quiçá, de outros, mais egrégios, lugares,
Retornando ao convívio dos seus pares,
Cidadãos de invulgar carácter e excepcional,
Como são os deste prezado canto: Portugal.
Por Sebastião, espera-se da Páscoa ao Entrudo,
Mas, está visto, ele já “comeu tudo tudo tudo”,
E, do bolo, nem migalhas sequer sobraram,
E só aos beiços de meia-dúzia chegaram,
De tal bolo, as fatias, e cada uma partida
Segundo o grau de influência exercida
Nos bastidores onde se discute a nação…
É assim: p’ra uns, o bolo, pró resto, o pão –
Azedo, com bolor, e já rijo que nem cornos!
E quem não queira, há a fome como bónus,
O que não é destino tão assim funesto,
Já que sobra sempre mais pró resto,
Pois onde o pão não chega à boca,
Daí à tumba já não é distância pouca,
E assim o cidadão, morto antes de tempo
E a quem sangraram, em vida, o sustento
Com impostos por ter cu, outros por ter calças,
Ciladeado com vãs promessas e outrossim falsas,
Tal cidadão, dizia-se, ora pensionista improvável,
Já contribui para um sistema sustentável
(Da Segurança Social, entenda-se) neste país dito livre,
Onde, não tendo utentes, todo e qualquer serviço sobrevive!
Mas, com tanto comilão à solta nesta herdade,
Perguntar-se-ia: afinal, onde pára a dignidade?!...
Vai daí que – e não o previa ninguém –
No país dos que partiram de Belém
À conquista, sem imodéstias, de meio mundo,
Surge um cavaleiro de nobre valor e jucundo,
O qual, do alto da garupa e com sonoro alarde,
Berra, com estridência: “Feriram-me a dignidade!”
Facto inelutável, e que entender nos cabe e convém,
É que, se lha feriram, é porque a tem,
Sinal de que, num deserto de tanta cobiça e tanta inveja,
Eis que um oásis de salubridade viceja!
Ricardo Coração de Carvalho é o nome
Deste garboso cavaleiro a quem consome
O terem-no tratado sem o respeito devido
E, consequentemente, a sua dignidade, lha terem ferido…
É bem caso p’ra que um homem, p’ra desafogo,
Mande a nação às urtigas e dê às de vila diogo!
Pois sigamos-lhe o exemplo, com certeza,
Copiemos a receita deste cozinhado à portuguesa,
Onde os assuntos são sempre graves, como se vê,
Mas ninguém tem a hombridade p’ra nos dizer o porquê
E assim, onde, mais que língua, se tem o pé ligeiro,
À boa moda arturiana, tudo segue envolto em nevoeiro
Bom, é meu parecer que se isto assim continua,
Se lhe ferem a dignidade, ‘inda sai o povo à rua,
E depois, não sendo só um, mas muitos fora do baralho,
É certo e garantido… que vai tudo c’o Carvalho!!!...

El Rey Ninguém
(a apanhar-lhe o jeito p'ra se tornar 
um Profeta da Desgraça...)

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Baile dos Contratados


Um pouco mais do que anda o povo farto:
Tipos promissores metidos dentro de um fato
E que gostam de aparecer no retrato!...
Será também assim este douto e eminente literato,
Na arte dos números tão altamente versado,
Neste momento, por tantos e há tanto aguardado,
Em que o julgávamos capacitado,
Mais que os que o poder hão deixado,
Para dar luz ao pessoal contratado
Que, a cada ano, nas escolas é lançado,
Como o fora aos próprios bichos do mato,
Tendo, sempre à frente, um futuro inexacto?...
Pois bem, esse tal, no ministério novato,
Afinal derrapou quando devia ter arrancado,
E assim, irá a montanha… parir um crato?...

El Rey Ninguém
(ainda a tentar aprender os passos 
do sempre imprevisível baile dos contratados...)