quinta-feira, 9 de maio de 2013

É hoje!


É hoje!
É hoje que me vou libertar, desenvencilhar desta teia,
Que me vou fazer eclodir em nova ideia,
Um novo amanhecer no horizonte da cabeça,
E que todo o resto se dilua, desapareça!
Sinto-me preso, enclausurado dentro de mim,
Cá dentro é um ermo, é princípio, mas de um fim.
Meto-me, às vezes, nojo, dou-me asco
Por ser prisioneiro, todavia também carrasco.
Mas onde é que pára a chave da prisão,
Onde o túnel da longamente almejada evasão?
Dizem-me culpado de fazer o tempo curto,
Ou então é de não ter colhido o fruto,
De tê-lo deixado podre, esquecido num ramo...
Sangue é água benta que sobre mim derramo,
Me queima a pele, e é como metal fundente,
É como lâmina que corta, rasga rente.
Sinto-me como que feito, desfeito em pedaços,
E os feitos são defeitos, desfeitos os laços
A tudo o que fazia, se é que o fez, uma espécie de sentido,
Sentido único, mas continuo perdido,
A mesma direcção, repetida, leva a que não me encontre,
Estou como o louco, hesitante, no meio da ponte,
Corpo sacudido, desintegrado, em paroxismo,
Todo em arco, debruçado, bordejando o abismo,
Sou dessinfonia que compus, entre avanço e recuo,
E assim, em tudo o que faço me desfaço e destruo…
E se não for hoje – ah como eu queria! –
Pois o resto que se f*da, que amanhã também é dia!


El Rey Ninguém
(num dia de...cão!)


Foto de Delfim Dias

terça-feira, 7 de maio de 2013

(des)mamado


Meus senhores, não me sinto nada bom
Desde que iniciei o desmame do Ben-U-Ron.
Por exemplo, quando estou no trabalho,
Se me chateiam, mando logo prò cara..ças!
Como vedes, muito facilmente um homem passa-se,
E eu ainda ontem estive no consultório
E o Doutor receitou-me um supositório
Para substituição do Bem-U-Ron, 1 miligrama. 

— Sr. Doutor, nã me parece uma ideia bacana
Estar a enfiar, tipo, cenas no cu!...

— Oh meu amigo, isso é o que pensas tu!
Mas, se quiseres, podes tomá-los via oral,
Que me parece que o tracto intestinal,
Em teu caso, está ligado ao pensamento:
Se abres a boca, ou sai merda, ou sai vento!
 
 
 
El Rey Ninguém
(preocupado com o consumo excessivo de estupidofacientes...)
 
Nota: imagem de A.Jorge Caseirão, in "Esquizofrenia - A Realidade Suspensa."

sexta-feira, 3 de maio de 2013

O Despertar do Asno


Há dias em que só o acordar já é duro,
Especialmente se acordamos na pele de um burro…
Tudo o que fazemos se assemelha a um coice;
Educação, decoro, respeito – tudo isto…foi-se!
Se calha abrirmos a boca, já não falamos,
A cada frase que proferimos, na verdade, zurramos,
E mesmo que se queira fazer um cumprimento,
Mostramos logo que o dia é dia de ser jumento.
Portanto, se esperam de mim cortesias, nem pó!
Não vai haver ‘olá’, ‘bons dias’… somente ‘ihn-hóóó!’
 

Porventura acordo como burro, vão-se-me as boas falas,
Vejo tudo afunilado, como tivesse do burro as palas!
Que há-de um homem fazer, quando acorda a escoicear?
Talvez o erro todo tenha sido, tão-somente, acordar…
Vou sair a trote curto, para a coisa não dar um estalo,
Pudera amanhã não seja burro, mas tenha subido a cavalo!
 
El Rey Ninguém
(despertando, asininamente, para o mundo...)
 
Nota: foto da autoria de Delfim Dias.