segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Curriculum Bitaite (Parte II)


Não tenho qualquer diploma, sequer certificado,
Mas sinto-me mais que perfeitamente habilitado
Para o desempenho das funções de boy!
Sendo assim, vou contar-vos como foi
Que se desenrolou esta vida, ora pois claro.
P’ra começar, saibam que jamais fui avaro
E que sempre partilhei com os mais chegados,
Nomeadamente roupa velha e brinquedos estragados,
E que, na escola, era um menino exemplar,
Exímio, desde logo, e muito!, na arte de copiar,
A qual é, entre os homens, uma espécie de comunhão.
Sempre me dei c’ o fraco e c’ o matulão:
No fraco, arreava-lhe tareias enormes,
Ao matulão, dizia que o fraco lhe chamava nomes -
E assim, como vedes, dava-me bem com todos.
Com a senhora professora, tinha bons modos,
Não era como o resto, cambada de fedelhos!...
Ratos, ratazanas, louva-a-deus e escaravelhos,
A toda esta perturbante zoologia
A minha estimada professora – quem diria? –
Reagia com um estado de puro assombro,
Quando a descobria na sua mala de ombro
Onde eu, previamente, como é lógico, introduzira
(Oh quão bem me lembro dos gritos da D. Elvira!...)
Essa panóplia de roedores e de insectos.
Mais tarde, chegado à idade dos afectos,
Estando eu no pináculo da juventude,
Deu-me p’ra me enrolar co’ a filha da Gertrudes,
Moça adepta de aventuras entre mantas e lençóis,
Nunca satisfeita, nem com um nem com dois,
E que não tardou, certa altura, é verdade,
A outorgar a mais de vinte a paternidade
De um broto que alegava trazer no ventre.
Então, logo aí, senti uma vontade premente
De ir conhecer outros sítios. Disse assim ao sogro:
“Estimado, vou trabalhar para Vila Diogo!...”
O que o homem terá entendido, certamente,
Ir ganhar, para o neto, o respectivo sustento,
Ideia que me apressei a confirmar, logo ali,
Tanto que, até hoje, nunca mais lá apareci!
Resumindo: ando sempre à pendura, nunca menos,
Pouco ou nada quero saber dos pequenos,
E quando me chamam, legitimamente, à pedra,
Viro costas, ignoro, implicitamente mando à merda,
E ainda acato bem a acusação de gatuno ou labrego!
E então, como ficamos? Tenho o emprego?...

El Rey Ninguém

Nota: foto da autoria de A. Jorge Caseirão (in "Fotografia: Retrato. Fidalgos, Galgos e Pardais...").

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