quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Antes que a morte nos una...

(Ou um ensaio sobre a aplicação alternativa 
de Reumon Gel em casais idosos)

— Quando, sobre a pele, me disseminas
Uma bem medida noz de Voltaren,
E sinto o calor de tuas mãos, atrevidas,
Todo eu me incendeio, qual querosene!
Invade-me o corpo (ora decrépito)
Um furor imenso, sem igual,
E o velho pistão, de súbito lépido,
Começa, miraculosamente, a dar sinal!...
Ah, todo esse tempo que já foi
Parece agora que voltou, que vem vindo,
Até tesão é de mais, até dói…
De facto, enrijece-se-me o cilindro
De maneira que é tão, mas tão insólita,
Que julgara obra, claro, do rigor mortis,
E assim, nessa zona outrora inóspita,
O latino mote citius, altius, fortius
Floresce, vigoroso, alastrando, qual mito redivivo:
Haste firme, coroando-a ápice vermelho
(Logo ele!, que durante tempo infindo
Coabitou co’ a rótula do meu joelho!...)
Ouve-me, mulher: larga as canadianas,
Manda àquele sítio essa penosa artrite,
Desnuda, uma vez mais, tuas preciosas mamas,
E sê minha, só minha, querida Afrodite!...

— Ó homem, ouvir-te esse rol de palavras,
Ser testemunha de todo esse inflamado clamor,
Faz-me crer noutras, já pretéritas jornadas!
Mas meus úberes, outrora sitos no Equador,
Desceram p’ra outras, mais meridionais latitudes…
Mas isso que importa? Vou reerguê-las,
Tal e tanto, que vê-las-ás com outro zelo,
Achá-las-ás deveras mais, oh quão mais belas,
Após borrifá-las co’ a laca do cabelo!
Mas não me ficarei por aí, fiel amado…
Vou pôr-me em poses que semelham actrizes,
Deixar-te-ei, a meus pés, assim prostrado –
Mas por pouco tempo, por causa das varizes…

— Oh amada minha, pões-me tão, mas tão louco,
Sugas-me c’ o teu deficit circulatório!
Mas isso não é nada, é ainda pouco…
Anda, vem comigo! Partilhemos um supositório,
E p’ra que tudo siga sendo assim, tão bom,
Depois de uma bela limpeza, co’ a algália,
Tomemos, p’ra refresco, un shot de Ben-U-Ron,
E rematemos c’ um bife na Portugália!


— Oh meu amor – amor pujante, robusto –,
Na penumbra do meu viver, vieste como o Sol,
Tal que teus intentos não enjeito, não frustro…
Um bife, sim!, mas tal que atice o colesterol,
Nos faça disparar, absurdamente, a tensão arterial,
Que chegue, a máxima, pelo menos aos 19!
Não vejo prelúdio, entre nós, mais sensual
P’ra que empreendamos ousado 69!...

— Oh musa de minha renascida velhice,
Como minhas mãos buscam – ávidas, sedentas, sôfregas –
A côncava redondez de toda tua íntima superfície!
Só de pensá-lo, quedam-me as pernas trôpegas!
Ardentemente, desejo-me envolto nessa tua flacidez,
Em tuas rugas, desabridamente, fazer montanha russa,
Enfiar (prevenindo todavia destempada gravidez),
Na viril espada, de látex, a carapuça,
E comer-te, comer-te, comer-te – toda, por inteiro! –,
P’la frente, por trás, de cernelha, de espaldas,
Bastando, mal sintas a extremidade do ponteiro,
Que ligeiramente afastes tuas volumosas fraldas!

— Deus meu! Deixas-me perdida, sem rumo!
Antecipando mil e uma intermináveis posições,
Toda eu me rendo, toda eu sucumbo…
Que se fornique a coluna, à fava c’ as articulações!
Trata-me como eu gosto, de forma assaz cruel,
Chama-me nomes – cota, velhota, até de cabra! –,
Vai buscar a porra do Reumon Gel
E vamos, de vez, curtir à brava!...

El Rey Ninguém

Nota: imagem de AJ Caseirão (in "Desenho: Figuras Reclinadas [Mini])