sexta-feira, 29 de abril de 2011

Cumprindo a boa obrigação de prestar contas ante o divino, fui, num destes dias, prevaricar as paredes do confessionário com a assunção dos meus pecados. Atendeu-me em tão particular e tão sensível empresa o Cardeal D. José Metacarpo, o qual, cioso de tão nobre presença sob o tecto eclesiástico, entendeu chamar a si mesmo a sempre delicada tarefa de ser o fiel depositário das minhas faltas e omissões.
Cumprida a obrigação, e como eu já previa, o encontro acabou por descambar para uma amena cavacada, posto o que, sabendo o Cardeal D. José Metacarpo das minhas inclinações versificatórias, me pôs nas mãos um documento, instando a que, fazendo eu uso da minha influência, o tornasse de todos conhecido. 
Trata-se, diria eu, de uma sintomática reflexão sobre um tema coevo… E por me parecer bom homem e porque até atira com jeito, o texto aí vai:


Políticos…

Mas quando eu pensei, justamente,
Em coisas como rigor e justiça,
Não houve então, minha gente,
Tempo nem pró terço, nem prá missa!...
Irónico é que assim seja agora,
Roída a corda do endividamento,
Os tais que já deveram ir embora
Surgirem quais messias deste tempo,
Oráculos de um abismo que não se evita.
Suportando a mesma velha e já gasta fita…

e

Ainda assim, há quem os reverencie,
Lambendo a bota, puxando o lustro,
Defendendo-os a pontos que nunca vi,
Rechaçando até o óbvio a qualquer custo!
Ah saudosos tempos de outrora,
Bálsamo e refrigério nesta época tão funérea…
Oh Portugal, mas quando chega a hora
Em que te governe, enfim, gente séria,
Se, por vezes, a seriedade do povo também é léria?...


A rogo do Cardeal Metacarpo,
e da autoria do mesmo,
com o meu diligente aval        
El-Rey Ninguém

terça-feira, 26 de abril de 2011

Somebody save the donkey!

Querem persuadir-me de que o que faz falta a este país são tantas e tão diversas coisas que eu, preso nesse emaranhado de argumentos, não posso senão propor uma solução bem mais simples: investir seriamente na raça asinina, porque o burro não só é um animal que se presta a trabalhar imenso, como tem dos encargos (nomeadamente salariais…) mais em conta de todo o mercado de trabalho: normalmente, dois ou três fardos de palha seca will do the job!....
Não só o proponho, como igualmente o celebro em verso, porque o burro, definitivamente, merece!





Soneto do Burro Precário

Era uma vez um burro, como outros tais, que trabalhava
Desde que o sol nascia até que o sol se punha.
Por ser burro, era, infelizmente, assaz pesada a sua carga,
Pois, p’ra ser cavalo, não tinha artes, nem jeito, nem cunha!,

E assim sendo, se burro era, burro continuava,
Trabalhando aqui e além, como por onde calha,
Recebendo apenas ½ ração pelo muito que suava,
E, por caridade, e só às vezes, uma mão cheia de palha!

Burro singular era este, de singulares predicados,
A tanta labuta atreito e a tão fraco sustento,
A quem, a despeito dos sacrifícios e esforços continuados,

Novos fardos se juntavam à sua já de si pesada cruz!...
Mas que dizer do burro, que outros dizem asno, ou jumento,
Que com ser burro está contente, e a seu nome tanto faz jus?...

El Rey Ninguém
(featuring O Asno Transmontano,
raça de ímpar valor zoófilo, e não só…)



terça-feira, 19 de abril de 2011

Soneto do Homem Nobre

Cabe-me a mim, como homem de sangue real, pugnar pelo regresso aos tempos de antanho, quando as coisas, governadas por Sua Excelsa Figura, o Rey, corriam, sem dúvida, bastante melhor. Tudo era muito mais simples. Por exemplo, a sociedade era clero, nobreza e povo, e não havia cá mais complicações. Ou se pertencia a uns, ou a outros!
Destes três grupos, aquele com quem sempre me dei um pouco melhor foi a nobreza, porque, na verdade, sem gente que seja Nobre, nenhum país pode ir para a frente! Aliás, disso estou tão certo e convicto que, fazendo uso daquele poucos genes que ainda me chegaram herdados do meu saudoso D. Dinis, o Rey Trovador, decidi meter mãos à obra e, do meu fraco engenho, homenagear quem é Nobre...
Então lá vai! 


Nos já idos tempos medievos
Era o ser Nobre questão de nome:
Quem o tinha, tinha sossegos,
Quem não tinha, passava fome.

Assim, tendo-se o nome, era-se Nobre,
E palavra de Nobre era sagrada,
Valia mais que ouro, prata e cobre,
E não se vendia mas nem por nada!

Mas agora a ocasião é outra,
Tanto que dessa tal dita nobreza
Já não nos sobra senão pouca,

E, mesmo essa, já mal se tem em pé,
Pois quem Nobre era – ai que tristeza! –
Agora Nobre já só de nome o é!...

El Rey Ninguém
(featuring D. Dinis)