quarta-feira, 15 de junho de 2016

Moção "Pífaro do Pastor"

Se há coisa que não faz falta
é ensinar a tocar flauta...
O currículo precisa de outro teor; 
propomos o Pífaro do Pastor,
instrumento popular cuja melodia 
traz ao espírito torrentes de alegria...
Impõe-se, assim, que rapidamente se troque
aquela por este, bem mais sensível ao toque,
sem referir que não é deveras pouco
o valor deste instrumento, por sinal de sopro...
Pousai nele os lábios, manuseai-o,
e tocai, sei lá, o Malhão, o Verde Gaio,
que dele jorrarão canções mas tão melífluas,
que nem Mozart, nem Bach, nem Cantinflas
saberão donde proveio som esse tão divino!
Esta, assim, minha moção, mui estimado Concílio,
para lhe outorguem o apreço que merece.
O Pífaro rejubilará, e o Pastor, é claro, agradece...



El Rey Ninguém
Imagem de AJ Caseirão (in Desenho: Uma passagem pelo Olimpo: As Ninfas)



quinta-feira, 2 de junho de 2016

Com passos

Para tudo onde se quer chegar,
Será que chegam todos estes passos?...
Bom era viver até sobrar,
Que não fossem jamais escassos,
Depois de dados, os passos
Que, queremos, nos levem além,
Onde as águas são tranquilas,
E límpidas também…
Os passos certos fazem vidas,
Certamente os errados as desfazem;
São rumos, são direcções perdidas,
Fica-se a meio da viagem,
Sentado, à beira do caminho,
Vendo passar, num torvelinho,
Outros tantos irmãos, outros tantos passos…
Às vezes paro e medito:
Destes, quantos certos, quantos errados,
Quantos eternos, neste chão poeirento,
E quantos então apagados
Na copiosa chuva do esquecimento?...
Não tenho resposta, nem veredicto,
Pois como?, se nem dos meus passos,
Na verdade, estou convicto?...
Poupo-me a mais embaraços
E confesso que por ora – fica dito! –
Pura e simplesmente me satisfaço
Com todo e qualquer passo
Que traga consigo um abraço
E que siga ao coração o compasso;
E assim, chegando onde queria,
Ou não chegando, todavia,
Certo será todo o passo nesta via,
Dado, de um Amigo, em sua companhia…


El Rey Ninguém
Nota: foto de Delfim Dias

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Caixa da Pandorca

Tal como se confunde 
baleia com orca,
é normal que se vislumbre
numa silhueta de Pandora
quem na verdade é,
apenas e só, Pandorca.
Às vezes, um gesto de fé
tido em boa hora
é quanto, afinal, basta
p'ra que não haja mistura
entre moça que seja casta
e outra que seja impura...
Porém, fiéis à verdade,
entre uma e outra,
venha diabo ou deidade
que uma delas escolha!
Enfim, ver-se-á como encaixa
uma explicação apenas:
mal de Pandora, vem da caixa,
o da Pandorca, d'entre as pernas!...

El Rey Ninguém

Nota: imagem de AJ Caseirão 
(in Desenho: Do Night Club)

terça-feira, 10 de maio de 2016

Lepramaniac

Se coisa há que nem ao Diabo já lembra
É que por cá apareça surto de lepra.
Pois que fazer? Saibam, para isso, os mais curiosos
Que cumpre, antes de mais, reconhecer os leprosos,
Tarefa que de complexa se reveste,
Já que é lepra, sim, mas mais agreste,
Visto que os enfermos, tais pobres coitados,
Não trazem, estranhamente, corpo aos bocados,
Nem andrajosas vestes, aqui esfarrapadas, além rotas…
Assim, de identificá-los, são as hipóteses poucas;
Porém, um olhar atento logo resolve o problema
De saber quem os cidadãos dessa ralé enferma:

Chegando, por exemplo, onde exercem a profissão,
Dizem bom dia/ tarde, ninguém lhes passa cartão;
Ou se, porventura, dois ou três lho fazem,
É compaixão p’la desgraça que aqueles em si trazem…
Oh que execrável maleita, tão filha da puta,
Razão bastante p’ra que a malta não curta
Estar perto dessa gente tão tristemente infamigerada!...
Mas ajudar, como dizia o outro, não custa nada:
Se preferir, partindo de que ainda não doou,
Apoie a Liga dos Amigos do bom Raoul Follereau;
Ou então adira à subscrição (seja bom moço)
P’ra pôr, em tais leprados, uns badalos ao pescoço!...

El Rey Ninguém
Nota: imagem de AJorge Caseirão (in Desenho: a verdadeira beleza é interior")

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Mesmo uma vaca

Pudera ser estória de alguidar e faca,
Esta de me duchar c’ uma vaca,
Mas não! Este vero evento “deluxe”
Aconteceu sob as águas do meu duche.
Ali entrei, despojando-me da roupa,
Ficando em preparos onde vergonha é já pouca;
Ela, entretanto, já lá estava, corpo notório,
Encostado, languidamente, ao rebordo do lavatório.
Ainda agora a visão, só a visão dela me marca.
Não pude resistir. Disse: “És mesmo uma vaca!...”
Ela, ante estas palavras, não tugiu nem mugiu.
Senti então, sobre a pele, mais acutilante o frio,
Tanto que a tomei pela mão, conduzindo-a, deste modo,
Ao duche com água já beijando o rebordo –
Água que então derramámos sobre os nossos corpos,
As bocas desabrochando, quais flores de lótus,
Num frenesim a todos os níveis intenso, crescente,
Uma descoberta feita cada vez mais urgente…
A vaca, em mim, cada vez mais se esfregava:
No meu rosto, no meu peito, nas partes pudibundas,
Deixando-mas, por tal efeito, inflamadas, rubicundas!...
Tomei-a em minhas mãos quantas vezes me aprazia,
E nisto seu corpo bovino mais em mim se derretia.
Quem dela diria ter um corpo assim, tão fogoso,
Possibilitar-me, como tive, genuíno orgasmo espumoso?!...
E nisto nos deleitando, chegara o duche a seu fim.
Ah como sempre desejara ter uma vaca assim…
Faz o que lhe mando, é carinhosa, não tem ciúme;
Quando nos separamos, deixa, ainda assim, seu perfume
Espalhado em cada íntimo recanto da minha pele –
Um eco de loucas primícias de leite e mel…
Por isso, caros amigos, se vaca assim sempre quisestes,
Façam como eu: comprem um sabonete destes!....


El Rey Ninguém
(bovinamente dedicado à higiene íntima)

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Múltiplos de 2

Se exprimi-lo não vos ultraja,
Dir-vos-ei que mais que uma gaja
Partilha o leito onde repouso.
É só mais uma, que a mais não ouso,
Que nem nas visões mais alucinogénias
Me imaginei assim, com duas fêmeas,
E ambas, por sinal, de formosura
Equivalente talvez apenas à mesura
Com que me tratam entre lençóis:
Com todo amor, todo zelo, pois,
Me estreitam contra si, nesse aconchego,
Que descanso é de todos o mais ledo
Que, para mim, desde sempre desejara!...

Por vezes, contra a minha se escancara
A boca, dócil boca de qualquer delas –
Assim se ocasionam venturas mais belas
Das que possam em verso algum caber.
Quaisquer palavras estão aquém do prazer
Que as duas, em tais momentos, me infligem:
Caio assim a pique, numa vertigem
Cujo fim, parece, não se vislumbra,
E tudo isto na penumbra
(Ao abrigo de qualquer indiscreto olho)
Do quarto onde com elas me recolho…
Mas o que mor espanto gera
É que, entre as duas, há uma ela
Cuja fortuna a minha espelha,
E é tal que nisto se assemelha:
Lá em seus aveludados lençóis,
Com gajos, pois bem, dorme com dois!
Haja a quem isto cause horror,
Mas, aos pares, segundo consta, é bem melhor –
Cá sempre ouvi, bem alto, proclamá-lo,
Vale p’rá galinha e p’ró galo,
Que não vejo por que se discrimine
Quem viva sob bênção tão sublime!...


Já me disse um bom amigo – o João –
Invejar-me, por tal, até mais não;
E já outro – o bem mais severo Albertino –
Excomungou-me, baptizando-me “libertino”!
Mas se há coisa que não me rala
São as más-línguas de sala,
E é por isso que reforço e reitero
O que vos disse, para mais sendo sincero:
Gajas, pois bem, durmo com duas,
E uma delas, noutras tantas luas,
Com dois gajos, vo-lo garanto, dorme também!

E a razão para que tudo esteja bem,
Entre as paredes do nosso quarto,
É que somos ao todo quatro,
E não seis, como pensastes depois!
Pode que sejam múltiplos de dois,
Mas, contas feitas, disto se trata:
Durmo com quem amo, mais uma gata,
E nesse leito, como vedes, tão lato,
Dorme, além delas, mais um gato!
E assim, contemplai!, já tudo fica conforme:
Durmo com duas, e ela… com dois dorme!

El Rey Ninguém
(prosélito súbito do pluriamor!
Nota: imagem de AJ Caseirão (in "Desenho: Da Legion Love")

domingo, 17 de janeiro de 2016

Requiem para um Amigo

Depois da tempestade, vem a bonança,
Depois do prazer, vem a cobrança…
Pois é, caro Amigo, e agora a tua herança
Vai toda p’ra fraldas de criança!

Julgavas tu, outrora incansável onanista,
Que era só andares por aí, a erguer a crista,
Qual cavaleiro brandindo espada na Reconquista,
E agora… não há desculpa que te assista!


Amigo, é assim que um homem se lixa,
Quando não tem noção donde mete a salsicha
E o desejo, qual fogo, constantemente se atiça.
Às vezes, pensarás, mais valia seres rabicha!...

E agora? Vais ter que abandonar os estudos,
Trabalhar um dia inteiro, por cinco escudos,
Aturar os sogros (um par de jarretas carrancudos),
E, pior ainda, uma mulher de sovacos peludos,

Pelos a sair, em abundância, duma camisa de alças…
Quem te diria, meu Amigo, a dançar estas valsas?
Afinal, caro amigo, todas as promessas eram falsas…
Caramba! Porque o não guardaste dentro das calças?!....

El Rey Ninguém
Nota: foto de Delfim Dias