domingo, 20 de maio de 2012

AldrabOlimpíadas


Caríssimos, estimadíssimos, honoríssimos ouvintes,
E aqui estamos, na pista atlética do Sport Clube Pedintes,
Prontos para dar início às…AldrabOlimpíadas!
Este ano, para além, como é normal, dos Lusíadas,
Contamos ainda co’ a presença de várias comitivas,
Representantes, ao mais alto nível, doutras tantas equipas,
Onde destaco, desde logo, à cabeça, os Gregos -
Onde pontuam dois coxos, um perneta, e três vesgos -,
E, à ilharga, Italianos e Espanhóis, logo na sua esteira.
Temos, portanto, meus senhores, atletas de primeira,
E a coisa promete, ah se promete! Os atletas
Perfilam-se na linha de partida, são como setas,
Estes velocistas, e a prova inaugural é…Evasão Fiscal!
Atenção que os Gregos trazem um corredor fenomenal:
Em vários segundos, engana inúmeras repartições,
E tudo sem uma, sequer!, gota de suor nos calções!
Mas, cautela, que há ali gente p’ra uma desforra,
Mormente o Italiano, com ligações à Camorra,
E um Espanhol que, não vai há uma semana,
Andou a estoirar zagalotes no Botswana…
Renhida a contenda, como se pode perceber,
E a pergunta paira no ar: quem?, mas quem irá vencer?!...
Atenção! Photo-finish, por indecisão entre Lusíada e Grego,
E acabam por lhes conceder o primeiro lugar, ex aequo,
E assim ninguém vai p’ra casa a chorar…
Mas eis, meus senhores, outra prova prestes a ter lugar!
Antes disso, porém, a palavra aos vencedores,
Ainda exauridos, ainda ofegantes, ainda destilando suores:
‘Bem, se não conhecesse o senhor director-geral das Finanças…’
Diz o Lusíada, convicto, e sem mais diletâncias;
E o Grego acrescenta: ‘Correr?! Eu já ia era em voo!
Sorte foi conhecer o primo do neto do sobrinho do avô!...’

A prova seguinte, onde a velocidade não pontua,
Consiste no mui apreciado… Salto em Altura!
O atleta, basicamente, depara-se c’ um monte de sucata,
Devendo transpô-lo, de uma só vez, c’ um salto…
O Lusíada foca-se no obstáculo, fica absorto.
Um erro de cálculo e pode, muito bem, acabar de calção roto.
Mas, caros ouvintes, é assim, como ouvis, desta maneira:
Nas AldrabOlimpíadas, traça-se deveras ténue fronteira
Entre a glória e o fracasso! Vê-se a tensão na cara
Do Lusíada, o qual, súbito, vocifera: ‘Tragam Vara!’
E…oooooohp! Com Vara o Lusíada sobe ao sétimo céu!
Meus senhores, c’ um salto destes, é certo que já venceu!
O Italiano, entretanto, dá a entender que ainda se aventurara,
Mas, tendo sucata no seu país, infelizmente, não tem Vara!...
Vitupera a sua sorte, e ainda mal refeito do susto,
Presenteia o vencedor c’ uma caixinha de Lambrusco –
Um gesto de boa vontade entre olímpicos vassalos,
Obsequiando-lhe em troco, o Lusíada, uma caixinha de robalos…
E chega, finalmente, oh quão aguardado evento,
O dia em que se alcança o mais glorioso momento,
O dia da prova-rainha, prova maior, prova sem igual!
Essa mesma, adivinhastes!, a Maratona…do Processo Judicial!
Isto sim, não é p’ra todos, só p’ra meia-dúzia de eleitos.
Quem logrará envergar, orgulhosamente, em seus peitos,
A faixa de campeão, quem ostentará dos louros a coroa,
De quem o hino, ressoando pelas colinas de Lisboa?!...
O tiro de partida, longitudinalmente, pelos ares. A corrida começa
E, como seria de esperar, nem um só corredor tem pressa.
Passam dias, semanas, meses a fio; recursos protelam
As desejadas decisões. Entretanto, corredores que se estatelam,
Esgotados; outros tombam, soterrados em requerimentos…
A Maratona do Processo Judicial testa a resistência,
Vai-se bem além da lucidez, beira-se a demência…
O corredor Espanhol isola-se, empreendendo esforço extremo,
E, no último dia, mete recurso, quem diria?, pró Supremo!  
Tudo parece decidido, mas o Lusíada, fazendo das tripas coração,
Já à vista da meta, antecipando hilariante ovação,
Joga tal cartada que o outro, aparvoado, nem percebe:
Inunda o meirinho de recursos e o processo…prescreve!
É inacreditável, senhores, é histórico! Quanto cidadão vindouro
Não se lembrará de tanta vitória, tanta medalha de ouro?!...
Caros ouvintes, assim se escreve a história das AldrabOlimpíadas,
Onde os louros sempre acabam, aleluia!, na carola dos Lusíadas!

E depois de todo este despique no mínimo absurdo,
A emissão, estimados ouvintes, prossegue do estúdio…

El Rey Ninguém
(considerando seriamente uma carreira no atletismo, ou, sem suma, o carreirismo...) 

Nota: imagem retirada de
http://www.overmundo.com.br/uploads/overblog/img/1219032733_aneis_olimpicos.jpg

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Água intoxigenada

Para o concidadão sarar a ferida
Aberta pelos golpes desta vida,
Recomendamos – cura até feitio plácido! –
Água intoxigenada, com ph ácido,
A qual, aplicada com propósito,
É melhor que qualquer linfócito!
O paciente pode estar apopléctico,
Mas o poderoso efeito anti-céptico
Transforma-o num apoiante dinâmico
Deste costume, ora mediterrânico,
De austerizar a torto e a eito…
Com água intoxigenada, está feito!,
Pode o golpe ser profundo
E parecer que anda doido este mundo,
Mas basta uma gotinha só,
Que logo se desata o nó
De qualquer dor lancinante.
Abram alas ao fármaco-governante,
Que tem a solução inteligente
Para a malta andar contente
Com o rumo que anda a seguir isto,
Embora com mais chagas que Cristo
Cobrindo-lhes a pele, particularmente flagelada.
Enfim, haja saúde… e água intoxigenada!

El Rey Ninguém
(enquanto esperava na fila da farmácia...)

Nota:  imagem retirada de http://www.texca.com/simbolos.htm

terça-feira, 1 de maio de 2012

Sonho de uma noite de Maio


Sonhos como este, devem ser menos que um em mil:
O calendário, na parede escalavrada, acusava 25 de Abril,
E havia nas ruas como que o ruído
De grito de um povo oprimido.
Vim espreitar à janela, curioso, inquisitivo,
Mas, no pavimento, nem um, sequer, ser vivo…
Que estranha ilusão em mim se produzia
Àquela incipiente hora do dia.
Lá fora, o silêncio sobre tudo,
E, dentro de mim, um estertor surdo,
Um rugido insubmisso, uma vozearia
Desde o Terreiro à Mouraria,
Obra de milhão e outros tantos.
O ano é 3000 e não sei quantos,
Os números diluem-se-me na retina,
Parece-me ver alguém à esquina,
Mas não, enganei-me. O crepúsculo
Atiça em mim qualquer músculo
Susceptível ao humano
E torna-se irrelevante o ano;
Só o dia e o mês
Ressoam a qualquer coisa, ainda, de português.
Pelas sete, há, como insectos,
Gente a emergir dos becos,
E o zumbido que o ar vergasta
Vai desde ali até à Praça,
Multidão que quase se atropela, incauta,
Movida por não sei que flauta.
Por qualquer rua ou viela,
A multidão é mar que encapela
Ou rio que serpenteia em S,
Desagua, em pleno estuário, e desaparece…
Que estranha forma de vida
É ser corrente diluída,
Gota que noutra se imiscui,
Um ser que se liquefaz e dilui,
E, dentro de mim, abissal,
A consciência de um Portugal
Que a luz diurna pulveriza,
No sonho, apenas, se concretiza,
É só pó de relicário,
Folha mil vezes caída, ainda, do calendário,
Um canto chão e varonil
E ainda à espera de ser…Abril.

El Rey Ninguém
Em jeito de homenagem a quem crucificou carne e espírito na luta pelos direitos dos trabalhadores.

Nota: imagem retirada de http://criominhavida.blogspot.pt/2009/05/dia-do-trabalhador.html