terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Uma arte em vias... de expansão!

Depois da arte de passar além do promontório,
Resta à Lusitânia a arte do relambório,
Uma forma estranha de se ser Portugal
Que consiste numa diarreia verbal
Em que, descarregando mil e uma palavra,
Se consegue ao fim, de jeito, não dizer nada!...





El Rey Ninguém
(peregrino em terra 
onde "estudos", "comissões de inquérito", "auditorias"
foram guindados à suprema arte da inconsequência...)

domingo, 18 de dezembro de 2011

Despachem a reunião!


Arre, despachem de vez a reunião!,
Que estou aqui c’uma aflição,
Uma dor que me estala o coiro –
A cabeça a querer dar um estoiro?
Não!, isso não me parece que seja,
Mas é uma coisa assim, que lateja,
Que se me alojou na pele,
Que mói, tortura de forma cruel,
Vai e vem, nuns valentes solavancos,
Ora desaparece, ora regressa, nuns arrancos…
Será que é peso de consciência?
Não preenchi uma grelha?! Paciência…
Um homem não apaga tudo o que é fogo!
Ai que vontade de dar às de Vila-Diogo…
Porra, catano!, despachem a reunião!
Espera aí… mas que horas são?
Olho pró relógio: é um ananás
Cujos ponteiros giram p’ra trás,
Caramba!, devo estar em delírio,
Oscilo, sinto ligeira falta de equilíbrio,
O suor escorre, em bica, pela testa,
Instala-se o delirium tremens ­– olha que esta! -,
Deve ser efeito do despacho normativo n.º xis,
Devem ser as metas cumpridas por um triz,
Os pedidos de autorização, o plano de actividades…!
Ah!, perdoem-me todas estas leviandades,
Acabem só é com esta reunião estapafúrdia,
Já estou c’os nervos numa balbúrdia,
Acabem, acabem com ela, stop, finito!,
Apiedem-se deste corpo moribundo e hirto!...
O que é agora, meu Deus?, sinto que já sucumbo,
Barcaça em largo oceano sem rumo,
A pouco e pouco, apago, resvalo pró abismo,
E o corpo contrai-se-me… ugh!, um paroxismo!
Regresso depois, vagamente, ao túnel de luz,
Como ascendesse aos céus da própria cruz,
E, já em pé, através, nas coxas, de um suspeito calor,
Seguro já do que seja, embora sem ver a cor,
Descubro o trágico porquê de tal penar:
Afinal, era só uma indómita vontade de cagar

 
 El Rey Ninguém
(às vezes, pouco – ou muito – se cagando…)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Teorema de Sócrates

Sobre como gerir com ciência
A dívida pública de um país:
É pondo os outros na falência,
Ir gozar c'o pagode em Paris!



El Rey Ninguém
(com a vida dependente
de quem se formou na Independente...)

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cogito... asinus sum!

A consciência de um homem, que é a ferramenta mais prodigiosa que possui para se expandir além dos limites da vulgaridade, muitas vezes, por simples obstinação, fá-lo, ironicamente, mirrar e encerrar-se ainda mais dentro desses limites. Quiçá o admitir-se sempiternamente e de algum modo burro seja o primeiro e supremo acto de inteligência humana, quiçá…Volta, René Descartes, estás perdoado! 

Cogito…asinus sum



Há certo de determinado burro que eu conheço,
O qual, não parecendo o que sou, é aquilo que lhe pareço
(Como diria, com truques de linguagem, o António Aleixo,
Referindo-se a sentidos cuja interpretação aqui vos deixo…).
Estoutro burro, por comer palha sempre no mesmo pasto,
Perdeu, por azar, a noção do quanto o mundo é vasto,
E por zurrar, sempre e ainda, nas mesmas pastagens,
Desconhece, afinal, haver no mundo outras tantas linguagens…
Mais: o facto de tal pasto estar ao fundo de um remoto vale
Faz com que se julgue um burro sem par nem igual,
Tanto que, estando aí, e zurrando nas quatro direcções,
Pensa ser absoluto senhor de todos os conhecimentos e razões
Dos quais é composto este mundo – e pudera! -,
Pois remoendo, dias e noites a fio, na mesma erva,
Todo aquele pouco que come, para ele, é muito,
E se calha a provar doutra coisa, é acontecimento fortuito
E a não repetir de futuro, e isto porque aquele corpo,
De tão habituado àquele palhame, já não quer outro,
E assim, quando zurra, num zurrar arrogante e burgesso,
Repete, invariavelmente, quase sempre, o mesmo verso,
E se o contrariam, zurra ainda de modo mais feroz,
E só fica, enfim, plenamente satisfeito c’o eco da própria voz,
O que quase sempre sucede, estando em tal vale encurralado,
E não lhe interessando entender as dietas doutro gado,
Seja da vaca, do boi, do potro, do cavalo, ou do bisonte,
Os quais até conhecera, pudesse ver além do estreito horizonte…
Mas não! Pasta e zurra, zurra e pasta, enche o bandulho,
E zurra outra vez, mas a pontos de tal barulho
Não se saber, estimados senhores, ao fim e ao cabo,
Se é obra do seu focinho, ou se é proeza do seu rabo!
Assim como assim, vai daí que D. Consciência, sua proprietária,
Responsável máxima destoutra exploração pecuária,
Não fora, por deletérias influências de terceiros e malignas,
Perder este burro o seu cúmulo de virtudes asininas,
Melhor fez, e não perdendo tempo a pensá-las,
Onerou o pobre burro com canga e um par de palas,
Para que, a salvo de toda a maldade estrangeira,
Paste e zurre, sim, mas sempre da mesma maneira!
Abençoado seja tal burro, fora os que ainda estão p’ra vir,
Pois p’lo focinho ou p’lo rabo, já é certo o que vai sair!
É deixá-lo andar, co’a vista afunilada e a canga na cerviz,
Pois assim como vai, está bem que é burro… mas é feliz!

El Rey Ninguém
(e o burro… sou eu! - como dizia o outro...)

domingo, 4 de dezembro de 2011

8ª Maravilha Gastronómica


É receita bem apreciada
No país - e de que maneira!
Consiste na caça desenfreada
Aos euros da nossa carteira!...



El Rey Ninguém
(Grão-Mestre da Confraria dos Desencarteirados...)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Quadra da Solução Final

Estes políticos sem nome
Já descobriram a panaceia:
'Trabalhem noite e dia, passem fome,
P'ra gente andar de barriga cheia!...'


El Rey Ninguém
(a trabalhar para outros colherem...)

sábado, 26 de novembro de 2011

Na Maternidade da Poesia...

O poema saiu e alguém, na sala de espera, 
proclamou, erradamente, que era meu…


‘Eis o seu filho!’ – disseram, de forma solene;
Mas eu exigi de imediato um teste de ADN,
Porque havia, enfim, traços na sua fisionomia
Que me levavam a pensar não ser minha tal cria,
Pelo que, olhando o doutor, olhando o broto,
Afirmei: ‘Não! O pai tem que ser outro!’
Acrescentei: ‘Isto, aliás, não faz o mínimo nexo,
Nunca com essa senhora cheguei vez alguma a ter sexo,
E se a pluma se me pôs nalgum momento em pé,
Foi só por algum carinho, um beijo, um cafuné,
Mas nunca, jamais, e isso é que é exacto,
Cheguei com ela às ditas vias de facto,
E por isso, sem qualquer dúvida, o declaro hoje aqui:
À Palavra, nem sequer em cuecas, até hoje, a vi!
E assim, essa inominável coisa que hoje foi parida,
Foi com certeza outro, e não eu, o autor da sua vida,
Sinal de que a Palavra - zás trás catrapum! -,
Afinal, é uma devassa: abre as pernas a qualquer um!

El Rey Ninguém
(mas, afinal, quem será o pai do poema...?)

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O ano de 74

O ano de 74... 
ou o preâmbulo de uma dieta muito rigorosa! 

Corria o ano de 74
E eu, que andava farto
De comer sempre pão,
Pensei que já seria ocasião
De provar doutra fruta.
Mas onde a abundância é curta
E o próprio pão, que se saiba,
Vem cheio de bolor e saibro,
Não há muito por que escolher
Quando o negócio é comer.
Já trabalho, isso havia com fartura,
Cultivar a terra agreste e dura
Era um ritual dia sim, dia sim.
Pensei noutra coisa para mim,
Que não aguentaria muitos mais anos,
Nos ombros, o peso dos desenganos,
E as mãos, calejadas de trabalho,
E a alma, também metida em tal baralho,
Não suportariam por muito mais
O que já antes de mim os meus pais
Tinham suportado a vida inteira –
Como houvera vida daquela maneira,
Como houvera hipótese de ser feliz
Onde baixar a cerviz
Era tudo o que se aprendia,
Isso, e uns rudimentos de cálculo, de escrita
(P’ra quem tivesse tal sorte…)...
Quando muito, vinha a morte
E um homem, de braços nus,
Assinava c’o corpo em cruz,
Todos os dias da vida gastos
A ler, no céu, os astros,
E a escrever, no escavar da terra,
A história que cada um, afinal, encerra…
Mas depois desse ano de 74
Decidi pôr outra comida no prato;
Coisas comeria por primeira vez,
Como “décimo terceiro mês”,
E outro, que aparecia no prato
De ano a ano – o “décimo quarto” -,
E outros reais acepipes,
Como o sermos livres
E podermos dizê-lo, podermos gritá-lo,
Sem recebermos um estalo,
Um escarro na cara, ou coisa ‘inda mais vil,
E de só cem deveres, ter agora direitos mil!
Mais: não ter, em nós, a alma encurralada,
Trazer, entre os pares, a cara lavada,
Ser-se, enfim, o que naturalmente já se era,
E não passar, pela vida, uma outra inteira de espera!
No restaurante, agora, já tinha direito a talher,
Já era “senhor”, e não um outro qualquer,
E onde fora “tu”, já passava a “você”,
Comia de tudo, até gourmet,
Ah!, tornara-me um biltre,
Comia até sem apetite,
E, como ainda achasse pouco,
Desejava até o prato do outro,
Ah!, eu queria mesmo era comer o mundo todo!
“Olha que estás a ficar muito gordo…” –
Avisou-me a minha mãe, muito séria,
Mas já nem Santa Quitéria
Calmava aquela fome de cão!
Piorou, numa outra ocasião,
Quando ao atafulhado prato meu
Veio parar o conduto europeu
E a acompanhar, uma travessa de regalias
(E a pança a ficar-me com estrias…);
“Tens que comer menos, Carlos…”
Mas como resistir aos robalos?
Até que cheguei ao limite,
Já não controlava o apetite,
Estava obeso que não podia,
Mal me mexia, já não corria, já não fazia
Aquilo do truca-truca…
Resultado: embarquei numa dieta maluca,
Determinado a ficar um dia
Tão delgado quanto uma enguia!
Cortei nos doces e nas jantaradas,
Nas condições de vida melhoradas,
De tudo quanto era nefando
Fui, de bom grado, abdicando,
Até que, vendo-se ao espelho este moço,
Já era só pele e osso.
Mas, orgulhoso de ter emagrecido,
Sentia o dever cumprido,
E não tardei a descer à praça,
P’ra mostrar à gente que passa
O meu perfil renovado.
“Aaahhh… mas estás tão magro!...”
Pois pudera, minha gente,
E o que é nisso surpreendente?
Dizia uma: “Ai eu perdi 20 quilos…”
Outra: “Ai, peso tanto como dois grilos…”
Outra ainda: “Agora já caibo nestas calças!”
E uma outra ia pôr mamas falsas,
Porque, dizia, rejuvenescera
E estava firme que nem uma pêra!
E ainda uma outra – outrora maltrapilha -,
Que, agora, a confundiam c’a filha…
Mas todas estas argumentações
Não eram senão míseros tostões,
Quando, dando-lhe c’a força toda,
Lhes abri de tal guisa a boca:
“Pois eu, de oitenta e picos p’ra cá, amigos,
Fora o resto… já perdi dois subsídios!!!
E com esta calei tal gente,
E vim-me embora, magriiinho… e contente?

El Rey Ninguém
(de tanga, de cinto apertado… tudo!)


terça-feira, 22 de novembro de 2011

E a chuva batia na minha janela...


E a chuva batia na minha janela…
Mas não batia nem leve, nem levemente,
Nem ninguém chamava por mim!
Batia de forma assaz pungente
E andavam todos num frenesim,
Pois partia tudo o que era vidro,
E eu, é claro, começava a ficar fo…lixado!
Depois, parou por um bocado,
Mas logo voltou a cair sobre o cascalho…
Raios! Vontade de mandar tudo pó ca…catano!
Parecia que ia chover todo o ano,
Caindo, caindo, numa infinita queda…
Pisei algo: seria lama?, seria me…outra coisa qualquer?
Andava lá fora uma mulher
A passear c’os seus dogs
Gritei: ‘Sai daí, senão ‘inda te fo…molhas!'
Ah!, num dia assim não há grandes escolhas:
Quando a chuva cai c’a força toda,
Fico em casa, e o resto, que se fo…molhe!

El Rey Ninguém
(a quem saíram tais palavras,
mercê da invernia)