sábado, 17 de outubro de 2015

O Bom Pastor de Odeceixe

Para o Nelson Agapito,
Amigo de inolvidáveis horas
Melhor será aquele que apascenta
Pelas suas zele, não se desleixe,
Pois de tal incúria se aproveita
O Bom Pastor de Odeceixe…

Por tal, não descureis vossas reses,
Com diligência, todo o bem lhes dai,
Que o Bom Pastor faz as vezes
De um bom irmão, de um bom pai…

Acaso vos suceda no rebanho
Que ovelha se perca ou tresmalhe,
É seu cajado tão deveras tamanho,
Que mácula não se pode apontar-lhe!

Logo aos domínios do seu curral
Chama a rês ora perdida,
Do cantil, dando-lhe à boca o gargalo,
Restitui-lhe o vigor e a vida!...

Quaisquer reses, de medo hirtas,
Têm, no Bom Pastor, bom amigo,
Sejam ovelhas, cabras ou cabritas,
A todas cobre, concede abrigo…

Estas são as virtudes cardeais
Deste Pastor, tão bom Samaritano:
P’ra protecção destoutros animais,
Evita que sofram mor dano,


Tal como a fome, que avilta,
Reduz a escombro qualquer divino ser…
Concebei, senhores, uma tal cabra faminta,
E como não lhe daríeis de comer

Acaso de vós se aproximasse,
E em vosso cajado solitário,
Submissamente, se esfregasse,
Rogando-lhe não fosse avaro

E compartilhasse a primícia
De uma qualquer colheita…
É incumbência da pastorícia
Ter uma vara escorreita,

Que saiba guiar gado caprino,
O assista, dê guarida e oriente,
Mal se lhe escute o balido
Suplicando que o sustente!...

Escutai, por isso, ó vós que pastoreais:
Se não cumpris a obrigação
Com cabra que no redil acoitais,
Dai-lhes a tábua de salvação:

Que as acoite tal alma benfazeja –
Certo é que nunca as deixe! –,
Que o que qualquer cabra deseja
É cajado… do Bom Pastor de Odeceixe!...

El Rey Ninguém
Nota: imagem de AJ Caseirão (Desenho: Uma Passagem pelo Olimpo: As Ninfas).


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

E no entanto ela nasce…

Deus não quer, o Homem sonha, a bandalheira nasce…
Deus não quis que a democracia separasse,
Bem pelo contrário, que irmanasse, unisse,
Como por milagre trouxesse à superfície
O que é, em cada um, espelho de virtude,
O exacto invés seja do que for faceta rude
Na nossa humana natureza, por certo falível…
Deus não quer, mas tal caso sucede incrível
Que floresça no fraco espírito do Homem –
No de alguns, somente porque querem, e podem! –
Daninha erva que desponta e logo alastra.
Trata-se, aliás, de uma espécie tão nefasta
Que não há, qualquer que seja e nos valha, herbicida
Que dê cabo, para bem, dessa verdura fodida
Que se assenhoreia, ruinando-o, de qualquer canteiro,
O à beira mar plantado logo em lugar primeiro!...


Somos uma nação de poetas, mas, a sério, vejo poucos;
Estou mais crente em sermo-lo, mas de loucos!
Louco, quando sonha, sonha mas são delírios;
Logo daí a nada, pior ainda, são martírios
O que sai daquela tão mal ilustrada cabeça…
Quanto a Deus, não quererá que nada disto aconteça,
Mas que fazer? Podemos conhecer-lhe os desígnios,
Mas, cá em baixo, somos nós que construímos
O que em regra tem saído um aplaudido desastre!
Por isso Deus não quer, mas o Homem sonha, 
                                                     [e a bandalheira… nasce. 


El Rey Ninguém
Nota: Imagem de AJ Caseirão (Desenho: Do Exército do Quinto Império)

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Antes que a morte nos una...

(Ou um ensaio sobre a aplicação alternativa 
de Reumon Gel em casais idosos)

— Quando, sobre a pele, me disseminas
Uma bem medida noz de Voltaren,
E sinto o calor de tuas mãos, atrevidas,
Todo eu me incendeio, qual querosene!
Invade-me o corpo (ora decrépito)
Um furor imenso, sem igual,
E o velho pistão, de súbito lépido,
Começa, miraculosamente, a dar sinal!...
Ah, todo esse tempo que já foi
Parece agora que voltou, que vem vindo,
Até tesão é de mais, até dói…
De facto, enrijece-se-me o cilindro
De maneira que é tão, mas tão insólita,
Que julgara obra, claro, do rigor mortis,
E assim, nessa zona outrora inóspita,
O latino mote citius, altius, fortius
Floresce, vigoroso, alastrando, qual mito redivivo:
Haste firme, coroando-a ápice vermelho
(Logo ele!, que durante tempo infindo
Coabitou co’ a rótula do meu joelho!...)
Ouve-me, mulher: larga as canadianas,
Manda àquele sítio essa penosa artrite,
Desnuda, uma vez mais, tuas preciosas mamas,
E sê minha, só minha, querida Afrodite!...

— Ó homem, ouvir-te esse rol de palavras,
Ser testemunha de todo esse inflamado clamor,
Faz-me crer noutras, já pretéritas jornadas!
Mas meus úberes, outrora sitos no Equador,
Desceram p’ra outras, mais meridionais latitudes…
Mas isso que importa? Vou reerguê-las,
Tal e tanto, que vê-las-ás com outro zelo,
Achá-las-ás deveras mais, oh quão mais belas,
Após borrifá-las co’ a laca do cabelo!
Mas não me ficarei por aí, fiel amado…
Vou pôr-me em poses que semelham actrizes,
Deixar-te-ei, a meus pés, assim prostrado –
Mas por pouco tempo, por causa das varizes…

— Oh amada minha, pões-me tão, mas tão louco,
Sugas-me c’ o teu deficit circulatório!
Mas isso não é nada, é ainda pouco…
Anda, vem comigo! Partilhemos um supositório,
E p’ra que tudo siga sendo assim, tão bom,
Depois de uma bela limpeza, co’ a algália,
Tomemos, p’ra refresco, un shot de Ben-U-Ron,
E rematemos c’ um bife na Portugália!


— Oh meu amor – amor pujante, robusto –,
Na penumbra do meu viver, vieste como o Sol,
Tal que teus intentos não enjeito, não frustro…
Um bife, sim!, mas tal que atice o colesterol,
Nos faça disparar, absurdamente, a tensão arterial,
Que chegue, a máxima, pelo menos aos 19!
Não vejo prelúdio, entre nós, mais sensual
P’ra que empreendamos ousado 69!...

— Oh musa de minha renascida velhice,
Como minhas mãos buscam – ávidas, sedentas, sôfregas –
A côncava redondez de toda tua íntima superfície!
Só de pensá-lo, quedam-me as pernas trôpegas!
Ardentemente, desejo-me envolto nessa tua flacidez,
Em tuas rugas, desabridamente, fazer montanha russa,
Enfiar (prevenindo todavia destempada gravidez),
Na viril espada, de látex, a carapuça,
E comer-te, comer-te, comer-te – toda, por inteiro! –,
P’la frente, por trás, de cernelha, de espaldas,
Bastando, mal sintas a extremidade do ponteiro,
Que ligeiramente afastes tuas volumosas fraldas!

— Deus meu! Deixas-me perdida, sem rumo!
Antecipando mil e uma intermináveis posições,
Toda eu me rendo, toda eu sucumbo…
Que se fornique a coluna, à fava c’ as articulações!
Trata-me como eu gosto, de forma assaz cruel,
Chama-me nomes – cota, velhota, até de cabra! –,
Vai buscar a porra do Reumon Gel
E vamos, de vez, curtir à brava!...

El Rey Ninguém

Nota: imagem de AJ Caseirão (in "Desenho: Figuras Reclinadas [Mini])



quarta-feira, 29 de julho de 2015

Inscrições abertas

Atenção, senhores, à ‘pergunta do dia’:
O que estuda a Biogeologia?...
‘Bio’ é o estudo dos seres vivos,
Assim vem escrito nos livros
E não é coisa que se conteste.
Já ‘geo’, o que nos diz este?
Basicamente, que estuda as pedras,
As formações rochosas, essas merdas,
O que a Terra tem lá dentro,
E mais ainda, de que não lembro…

Mas o que surge sob este céu
Quando se juntam ‘bio’ e ‘geo’?
Trata-se de nova ordem no caos:
O estudo dos seres vivos… que são calhaus!

Assim, o objecto de estudo do ‘biogeólogo’
Será qualquer chato viciado no monólogo,
Que fale só dele, de manhã à noite
E a quem daríamos, de bom grado, um açoite,
Para que não mais nos chateasse!....


Para que não mais nos chateasse!....
Mas a ‘calhauzice’ não é coisa que passe
Com um bofetão nos cornos,
Daí que seja tão grande o ónus
Para o biogeólogo, pois, querendo dar pau,
Tem de conter-se, e estudar o calhau!...

E por falar nisso, antes que me distraia,
Soube que aceitam qualquer cobaia.
Oportunidade como esta por aí decerto não há,
E por isso, caro amigo, inscreve-te já!
Não dês lugar à indolência
E faz de ti um calhau, em nome da Ciência!


Nota: imagem de AJ Caseirão, in "Desenho: Mini Facia Codex"

domingo, 19 de julho de 2015

Pater Pessoa (ou a arte da inseminação fluvial)

‘Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio…’
Diz o poeta, quiçá latejante de cio,
Sendo que tal pulsão, bem mais que anímica,
Vem a criar um problema de Química.
É que o poeta, declarando o seu Amor,
Fá-lo em plena Ribeira do Jamor,
Ao passo que Lídia, musa do seu desejo,
Molha, àquela hora, seus pés no Tejo…

Sabendo que a Ribeira, em seu curso multifário,
Vem a desembocar no Estuário;

E sabendo que, por uma questão sazonal,
É de 100 m3/ segundo seu caudal;

E atendendo também a que o poeta,
Deparado co’ a pluma erecta,
Sucumbe à toda-poderosa lascívia,
Nele despertada pelo cono de Lídia,
Logo seu viril membro sacudindo
Para tais águas, que vão seguindo;


Calcule, se é que consegue e pode,
Quanto levará a um espermatozóide,
Movendo-se, velozmente, a 3 nós,
A alcançar aquelas águas, junto à foz,
Onde Lídia, que é atrevidota menina,
Já decidiu armar-se em varina,
Nelas imergindo, sem pudor ou sensatez,
Arriscando-se a inopinada gravidez…

Assim demonstre, por A mais B, a solução,
Apresentando toda e qualquer operação
Que evite, ao Pessoa e antes que seja tarde,
O desvario de uma acidental paternidade!...


Nota: imagem de AJ Caseirão,
in ‘Desenho: Do Exército do Quinto Império’

terça-feira, 28 de abril de 2015

Em tálamo meu...

Dizem que há sete mulheres para um homem,
Mas as minhas devem ser outros que as comem.
Noutros tálamos se entregarão essoutras fêmeas,
Razão de serem os meus dias jornadas abstémias
E de nada haver neles que, enfim, infirme
Esta ressecura a que está confinado meu vime...
Houvera chão onde pudera eu enxertá-lo,
Mas, não havendo, emurcheche-me todo o caule
E não há, assim, ocasião de que floresça e frutifique...
Dessas sete, em verdade, bastar-me-ia uma Afrodite,
Mas nem uma, nem duas, nem três Deus me deu,
E eu só queria, enfim, mulher... em tálamo meu!



El Rey Ninguém
(descrente num tal mito urbano...)

Nota: imagem de A. Jorge Caseirão (in Desenho: Uma passagem pelo Olimpo: As Ninfas)

sábado, 14 de março de 2015

Eu, que Bocage jamais serei...

…imaginando-me enleado por etérea dama!

Falais de estimular o intelecto,
Mas há no mundo, por certo,
Órgão que mais quer ficar erecto
Do que propriamente o cérebro…
P’ra masturbar na língua lusa,
Ganhando silábica tusa,
Ejaculando de forma profusa
Palavras inspiradas numa musa –
Para tal, doutra não necessito,
P’ra que o texto seja escrito,
Que a Língua própria – fique dito! –
Em que, verbalmente, me excito!
Todas as demais situações,
Respeitadas umas tais circunscrições,
Serão devaneios, ilusões,
Serão passageiras atenções…
A pluma, porém, em seu trabalho
Pode confundir-se c’ o caralho,
E o papel, claro, c’ o agasalho
Em que depõe aquele o coalho
Que é garantido que de ele escorra.
Chamai-lhe texto, chamai-lhe esporra,
Tudo isso depende agora
De quem convosco concorra
Nas ditas contendas verbais.
Tempo, não lhe faço perder mais,
Mas quero, contudo, que saibais
Que o que tanto prezais –
A tão preciosa amizade –,
Lhe presto vassalagem, lealdade,
Por ela ergo minha espada
E a quero mui bem estimada
Contra todo, qualquer equívoco!...
Lá nisso, nosso tom é unívoco,
Nosso canto é uníssono,
Vós, todavia, soprano, eu barítono,
Mas comungando a mesma hóstia…
Porém, Senhora, se vos gosta
A Língua bem dita, bem-posta,
Acautelai-vos! Pode dar à costa
Quem possa mal percebê-la,
E se ao serdes bela
Aliais intelecto que se revela,
Pode querer, naturalmente, fodê-la,
Tal como, sabê-lo-eis com certeza,
É próprio da humana natureza,
Que não logra escapar ilesa
Às tentações de cama e mesa!...
P’ra tudo isto, Senhora, vos advirto:
Que podereis deixar hirto
Quem não saiba manter circunscrito
O foder ao texto escrito.
Já quanto a mim, faz-se tarde;
Vou deambular pela cidade,
Cultivando fraternal amizade
Com meus mestres, pois claro, Bocage & Sade!...

El Rey Ninguém
(em estado sadobocágico)