sábado, 21 de janeiro de 2012

Oráculo do Coelho


São estes os tempos de abrirmos as portas do espírito a experiências diversas daquelas a que estamos habituados. Com esta determinação, fui a um templo oriental e decidi consultar o Oráculo de um animal do zodíaco chinês. Calhou-me, em sorte, o Coelho, o que achei uma boa premonição, pois trata-se de um animal que, quando fornica, o faz tão rápida e intensamente, que a parte fornicada não tem sequer tempo p’ra reagir! Simplesmente é fornicada, sem apelo nem agravo, e sem direito a protesto!...
Considerações desta natureza à parte, disse-me o tal Oráculo do Coelho – entre outras baboseiras que não entendi (o “cunilingus” deve ser a língua do Coelho e isso nunca foi o meu forte…) -, que teria, num qualquer momento no futuro, que sair da minha zona de conforto. Pensei que se referisse ao meu sofá, pois sinto-me bastante confortável quando lá sento a peida. Todavia, incerto quanto a tal, eis como reagi:

Nem meio-dia é e já tenho vontade de ver lá outro
Que não tenha um pensamento tão ignoto,
E que, embora vivo, me faça sentir como morto.
Diz que tenho que ir colher noutro horto,
Que tenho que sair da zona de conforto,
E é aí que começo a vê-lo meio torto…
É que, como nunca me calhou o Totoloto,
E a “cunha” foi sempre benesse doutro,
Nada me sobrou senão ser um roto,
A viver, invariavelmente, com pouco.
Pois Coelhinho, antes de seguir teu conselho de louco,
Pois que, a segui-lo, até me encontraria disposto,
Só te peço, antes que me venhas pedir algum voto,
Que me faças, só por um dia, entrar na zona de conforto,
Que será onde vives, recolhido em bom porto,
Com despesas de representação, um subsídio e outro,
E para mais levado em corcéis de topo,
De não sei quantos cavalos e volantinho de couro,
Que só te falta a bengala e o chapeuzinho de coco,
Tudo pago cá pelo tal que é um roto,
Que anda, dia sim dia sim, a tentar desviar-se do soco,
Sem encontrar, jamais, qualquer zona de conforto!

El Rey Ninguém
(disposto a oferecer, a quem a queira, 
a sua zona de desconforto…)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Matricídio

Quando está a Pátria de perna aberta,
Todos querem um naco de acção:
Mesmo o enfermo da uretra
Ou aquele a quem falta o tesão
Se acham, na iminência da derrota,
No direito à derradeira cambalhota!
Um, que já nem lembra como se faz,
Empurra o Viagra c’uma aguinha Carvalhelhos,
Hesita (se pela frente ou por trás…),
E serve-se, à descarada, dos pentelhos,
Nos quais se lambuza, qual acepipe,
Afastando as rendinhas do slip
Que à Pátria tapava as vergonhas.
Quem lhe deixou o hímen roto?,
Quem a rompeu com fálicas coronhas?...
Quando a que impera é a lei do escroto
E apenas se busca satisfação pessoal,
Não admira que a nossa Pátria, Portugal,
Seja ora presa de uma matilha com cio.
Não há carinhos, amplexos, ósculos,
Da parte de Pedro, Paulo e compadrio,
Pois nem nomes que foram dos apóstolos
Neles refreou tão sanguinária luxúria!
Tudo é bruteza, frieza, e incúria…
Nela despeja todo o cão sua lascívia,
Revezando-se, num lúbrico cortejo;
Mas eis que rompe a luz do dia,
E os cães predadores do desejo
Ora contemplam a Pátria Mãe em farrapos:
Aberta, cuspida - cobrindo-a: dois trapos -,
Nos seus seios desnudos as marcas arroxeadas
Da furiosa mão que os arranhou,
E as pudendas partes, dessacralizadas
Por quem a ela roubou,
Ou deixou, ejaculado e sujo,
O que nela ainda houvera de luso,
De egrégio, singelo, e casto…
Oh Pátria, outrora virgem impoluta,
Pelo colectivo estupro, nefasto,
Ei-la agora derribada a puta,
Um pedaço mal amado de mulher!...
Sirva-se, à tripa forra, quem quiser,
Acaso gosta delas assim. Os primeiros raios
De sol põem a nu a violação;
Um mastim ladra p’ra seus lacaios,
Rosna, por entre a baba, sem compaixão:
“Ei-la de quatro, irmãos: a Pátria, esta cadela,
E nós… somos todos filhos dela!...”
El Rey Ninguém
(à falta de tinta, escrevendo com bílis sobre o papel...)

domingo, 15 de janeiro de 2012

Cavaco não presta!

Vem o Inverno, com ele o frio, e há que abastecer a despensa com algum cavaco, na vaga esperança de que nos aqueça a casa – isto se o cavaco for de qualidade… -, enquanto lá fora inomináveis tempestades varrem as ruas, sem que ninguém… ligue cavaco!

É tal facto deveras interessante,
O de que exijam contribuição abundante
A quem tem o rendimento parco –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
As contas públicas, quando vêm, enfim, a lume,
Ressumbram, à superfície, certo aroma a perfume,
Embora, no interior, tresandem um fedor a sovaco
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
E já ouvimos dizer, como fosse algo novo,
Que o poder, em democracia, é do povo,
Mas o poder que se lhe dá é um simulacro –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
Venderam-nos o idílio da Terra da Fartura,
Mas fartura que haja é sol de pouca dura,
E ela nunca foi servida em meu prato
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
E enquanto meu alforge esvazia, despejado de tostões,
Outros, sucesso inexplicável!, recebem milhões
Com que enchem, até vazar, o seu saco –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
E os que nos dispensam apenas bola e matraquilhos,
E que são, não da mãe, mas da outra os filhos,
Têm direito à roleta, jogos de sala e de taco –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
Quantos governantes falam, alardeando grande ciência,
Enchendo a boca de “justiça” e “transparência”;
Eu ouço o seu discurso, mas tudo me soa a opaco
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
Toda a sua promessa, embora na altura deslumbre,
É, invariavelmente, palavra que não se cumpre,
Parida, algures, na água morta dum charco –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
Resumindo: há por demais quem repita o mesmo fado,
Quando, afinal, devia era estar calado;
E se o fraco líder faz o forte povo também fraco,
Por aí se vê o porquê de termos este cavaco,
O qual, contas feitas, é um reles madeirame,
Já não merece que cavaco se lhe chame,
É apenas negro tição de um lume já apagado,
Cinza remanescente de um mundo escavacado!...

El-Rey Ninguém
(meditando à frente de uma lareira
onde já não há cavaco que arda…)