terça-feira, 31 de maio de 2011

O incrível caso de Hipólito

Podia até ser tido por insólito
O incrível caso de Hipólito,
Um capão dir-se-ia de primeira,
Que dera entrada na capoeira
Ainda pinto calçudo
Num distante dia de Entrudo.
Hipólito não é da raça que desista,
O que se nota logo na crista,
Sempre erguida e imponente,
Mostrando aos de trás quem vai à frente.
E isso de ser primeiro
Demonstrou-o, assenhoreando-se do poleiro,
Onde esteve, ao que sei,
Tempos infindos, a ditar a sua lei.
Mas é por diversas razões que é curioso
O caso deste galo caprichoso,
E por não haver noutro sítio lugar
Me disponho aqui a narrar,
Podendo cair no engano amiúde,
Toda e qualquer vicissitude
Que compõe a singular narrativa
De um galo que é hoje lenda viva
Da mitologia local,
Pois é consabido em Portugal,
E até facto indisputável,
Que adquire posição notável
Na hierarquia do galinheiro
Quem se perpetua no poleiro
E dali não larga a unha.
Deus é minha testemunha
De que Hipólito era disso bom exemplo,
Tanto que o galinheiro era o seu templo
E Hipólito, por acréscimo, o seu deus,
Um santuário, aliás, de costumes muito seus,
Porquanto Hipólito, que era um galo só,
Se lhe desse na crista que o có-có-ri-có
Devia dar lugar ao cá-cá-rá-cá, pois então,
Posta a ideia na mesa, p’ra discussão,
Logo deliberava contra o tecto,
Ordenando executar o decreto
Que, levando bicadas de sobra,
Era, em suma, um tremendo bico-de-obra!
Seguiram-se-lhe outras inúteis decisões
Tornadas públicas noutras tantas ocasiões,
Das quais, se razão não se encontra,
Por mera carolice, aqui delas vos dou conta:
A primeira, e a mais pária,
Foi tornar a prótese dentária
De uso obrigatório,
O que entupiu tudo o que era consultório
Num raio de cem metros!
Foi apenas o inaugural de um caudal de decretos
Lançados, por entre protestos e estrondos,
Como quem lança milho aos pombos.
A introdução das ditas próteses
Veio acompanhada de vários cortes,
Pois foram necessárias verbas para as ditas,
Causa para haver várias galinhas aflitas
E muito garnizé insolvente
E um ou outro galo velho descontente
Com o arrastar da situação,
Que já implicava cortes na ração
E no fornecimento de gramíneas.
Mas Hipólito estava nas suas sete quintas,
E, daí a um tempo, deu-lhe a ideia
Que a população cacarejante ficava feia
Com todas aquelas penas sobre o corpo,
E assim, antes que viesse outro,
Deu ordem p’ra que todos os galináceos
Fossem, a devido tempo, depenados!
Quanto às penas, tão coloridas e belas,
Mandou a vários recolhê-las
E vendeu-as, com base em diversos estudos,
A uma corja de galos pançudos
Com o mau vício da ostentação…
E p’ra tudo acabar em perfeição,
E por crer dispensável o voo,
Lá veio o dia em que deliberou
Cortar as asas à malta,
Pois, segundo ele, não lhes faziam falta
(Hipólito não era galo de correr riscos…),
E quanto às asas, vendeu-as à casa de petiscos
Mais afamada no lugarejo.
Como vedes, exige grande traquejo,
Uma vez instalado no poleiro,
Manter-se aí o primeiro!...
Quanto a Hipólito, razão do meu orgulho,
Seu canto, em verdade, é apenas um arrulho;
Mas a velhice não lhe quebrou a crista,
E embora muita gente insista
Em fazer dele cabidela,
Aquela plumagem tão bela,
E o porte majestoso e arrogante,
Deixam-me de todo hesitante
Em passar-lhe a faca no pescoço,
E como não tenho coração de osso,
Hipólito, ante um feitio tão magnânimo,
Prolonga o seu reinado tirânico
Com a minha conivência.
Há que haver paciência,
E p’ra mais tornou-se sólito
Ouvir-se dizer, em relação ao Hipólito,
Que é galo extraordinário,
E eu, sendo seu proprietário,
Só posso afirmar, inchado e sem abalo:
Realmente, este Hipólitoca galo, senhores, ca galo!...

Extra lúdico:
Descubra as 7
diferenças entre as duas imagens:
























El Rey Ninguém
(proprietário de uma exploração avícola
em franca expansão!...)


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