domingo, 8 de maio de 2011

Conheces o Zé Maria?...

O Zé Maria, que é teu vizinho,
Tem grande fama na aldeia,
Porque o tipo, volta e meia,
E apesar de ser sozinho,
Tem o reprovável costume,
Segundo o que já veio a lume,

De na mercearia local,
Negócio de gente séria e honesta,
Que não gasta, mas nem em dias de festa,
Ter já um calote magistral,
Fruto de despesas multivárias,
Umas básicas, mas as mais desnecessárias

Isto é a voz do povo que o diz,
Mas tu, porém, como és sensato,
E a educação te incutiu melhor trato,
Decides, a bem, seguir outra directriz,
E, sendo assim, num belo dia,
Pões em curso a auditoria:

Vais à mercearia, acercas-te do balcão
E puxas dois dedos de conversa,
E vais falando, sem ter pressa,
A ver se chega a sagrada ocasião,
Assim como quem a coisa não queria,
Em que abordes a questão do Zé Maria.

‘Sempre é verdade que…?’ ‘Ouvi dizer…’ -
Dizes tu, feito parvo e a sorrir,
Acabando, p’ra teu gáudio, por descobrir
O que já era, afinal, tão fácil de perceber:
Que o Zé Maria – isso tirava-se pela pinta! -,
Confirma-se, é um grandessíssimo pelintra!

Vive à grande e à francesa,
Rodeado do bom e do melhor,
Que não há pedra que não core
Ao ouvir a descrição da vilaneza
De um homem de ares tão doutos,
A fazer figura c’o dinheiro dos outros,
  
Como é o caso do Zé Maria. ‘Que vergonha!’ –
Pensas tu, que vives com o que tens,
E que te afliges até, se deves dois vinténs!...
Realmente, vê-se falar o Zé Maria e nem se sonha
Que por debaixo do figurão ajanotado,
Todo cheio de pruridos e ricamente albardado,

Está um autenticíssimo portuga,
Que da chico-espertice faz vida
E vista grossa à paga que é devida,
E não lhe bastando já ser sanguessuga,
Passeia-se, rua abaixo, todo feliz e ostentando
Os juros do quanto já devera ir pagando!...

Quanto a ti, já não podes ficar calado
Perante tão notória injustiça:
É no café, é na Junta, é na missa,
Um pouco por todo o lado
Vais espalhando essa má nova,
À qual juntas ónus de prova

De haver verificado, ao vivo e a cores,
A veracidade do que proferes,
Pois viste, no livro dos “Deves & Haveres”,
A transcrição literal dos horrores
Perpetrados por tal biltre, em plena luz do dia,
Contra a boa e honrada gente da mercearia.


 Mas a coisa não se fica por aqui…
O Zé Maria, que nunca deixa a coisa por menos,
Prepara-te uma descida aos infernos,
Quando convence o merceeiro que cabe a ti
Saldar essa dívida monumental,
Do tamanho ou até maior que Portugal!

Mas, afinal, o que pensavas tu?...
Que o Zé Maria, sabendo dos teus actos,
Iria ficar de braços cruzados?
Qual quê! O Zé Maria pode ser um gabiru,
Pode até roubar e mentir à descarada,
Mas de parvo, já se viu, não tem nada!
  
E como é que é agora?
Pois é, nunca numa destas te viste:
Pagar dívida que não contraíste
E, ainda por cima, juros de mora…
‘Não! Não, senhora! Isso é que era bom!
Quer dizer: uns estoiram c’o plafond

E eu, como não bastasse, ainda tenho que pagar
Por aquilo que não gastei?!...
Isto onde não há justiça nem lei,
Quem prevarica… fica a ganhar!
Melhor fora ser larápio, melhor fora não ser sério,
Enterrar a Moral no cemitério

E mandar o resto às urtigas!...’
E o merceeiro, que não te larga
Por causa do outro que não paga?
Vês agora porque as fartas barrigas
Dependem da miséria das pobres?
Enquanto uns se esfalfam por uns cobres,

Outros vivem mas bem acima do que podem…
Sempre assim foi! Uns são brancos, outros pretos,
E por isso é que te passas dos carretos,
Por que te ergues, por que protestas: porque és homem,
E porque às coisas que “…sempre foram assim…”
Ordenas, bem alto, que tenham fim!

E vais atrás do Zé Maria, com o fito
Em dar-lhe uma valente ensaboadela,
Mas nunca dizes que vais, à cautela,
Senão o tipo zarpa e, depois, é o bom e o bonito!...
Se o apanhas, nem sabes o que lhe fazes,
Apertas-lhe o pescoço, e as vergonhas c’umas tenazes!

E zás! Em dois tempos, está o caso
Resolvido! Mas como tens pouca sorte,
Se rápido foi no preganço do calote,
A dar de frosques, o Zé Maria não teve atraso.
O tipo desaparece de cena, sem dizer “água-vai”,
E tu c’o a criança nas mãos, a chamar-te pai!

 Já ninguém sabe dele, nem por onde anda…
Mas tu não desistes, e vais no seu encalço,
Corres, corres, corres, de sapato, sapatilha, e até descalço,
Até que te cansas de tal demanda,
Voltas p’ra casa, desapontado,
E, sem saberes como, endividado

Do Zé Maria, passado um tempo – que importa? –,
Tu já pouco ou nada sabes…
Fugiu c’o oportunismo, deixou-te c’os entraves,
Co’as espinhas no prato, e sem peixe na lota!…
Apenas vens depois a saber, desse personagem mítico,
Que, acham (não têm certeza), ter-se-á tornado 
                                                       [eminente político!...


...e então? Conheces o Zé Maria ou não?...

El Rey Ninguém

1 comentário:

  1. Estimado cronista,

    Crónica do Zé Maria very fun, "fun"tástica! tens razão, isto não é mais do que um grande Big Brother. Insultam-se uns aos outros. Ganha quem é mais vil e tem melhor aparência. outros são expulsos porque dizem coisas incómodas. Espectáculo de variedades, ao vivo, online. Agora, em tempo de sufrágio nacional, veremos mais nomeações, expulsões e insultos de enorme qualidade: "Filósofo come coelho.", "Coelho dá os primeiros passos.", "Coelho come leite.", "S. Bento não passa cavaco a Sócrates.", "Povo é quem mais ordenha, S. Bento quem mais mama.". Mas, como aferes e bem, se o Zé Maria fosse graúdo, também gostaria de comer e lambuzar-se na pia dos restantes porcos, ir de chauffer para a Casa dos Segredos e virar o rabo enrolado ao montado de onde veio.

    Cumprimentos de légua e meia!

    Von Kass

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