domingo, 22 de abril de 2012

Já-há-mais

Ora aqui está um mistério para a ciência forense:
Ter o rótulo e não saber a que frasco pertence,
Ou, ‘inda pior, caso p’ra lupa ou monóculos,
Ter, de frascos, um só, mas dezenas de rótulos!
Então, sendo assim, cola-se o quê aonde?
A gente pergunta, ao redor, nenhum’ alma responde,
Nem sabe sequer se há variante
Acaso muda o dizer o autocolante:
Precário, indignado, o inumerável anónimo
Será tudo diverso ou sinónimo?
Hoje, nem sei se com desagrado,
Descobri-me, num formulário, indeterminado
Tenho um novo baptismo, um novo nome.
Como é isto? Quem determina, indeterminou-me?
Pessoanamente, não sei se chego a ser (ou se tardo)
Qualquer do rótulo em mim colado.
Vou de um em outro; como quebro o ciclo?
Já sei: parto o frasco e logo me reciclo
E faço de mim novo jarro
P’ra água, vinho, se necessário escarro.
Não colem, por favor, rótulos neste vidro:
Epítetos, apodos - expressamente proibido!
Este frasco, agora, seja lá o que for,
Já não é o que lá queiram pôr;
É enchê-lo, até cima, de livre escolha,
E por aqui se vê a importância da rolha
Para proteger o vasilhame
De conspurcação, eventualmente algum derrame…
Pois indeterminado! Seja como me nomeais,
Mas se lerdes o meu rótulo, em letras garrafais,
Assim como no meu, igual noutros mais,
Olhai o prazo de validade. Diz: JAMAIS!...

El Rey Ninguém
(um homem verbalmente enfrascado...) 


Nota: imagem retirada de http://mundotop.com/potes-de-vidro-onde-comprar-precos-artesanato/
 

2 comentários:

  1. Caro El Rey,
    isto faz-me lembrar a história do sujeito indeterminado, o sujeito andava de tal modo perdido e desorientado que ninguém podia determinar com exactidão de que graça era, ou até se tinha graça. Esta coisa de um trabalhador, um professor, ser indeterminado é que não tem graça nenhuma.Esta evolução, que, na verdade ,é o seu contrário,até já provoca vómitos de indignação, pois a continuar assim, na próxima fase indeterminado deve ler-se descartável . Cá por mim, os indeterminados, cada vez mais precários, e cada vez muitos mais, se não usarem a sua energia contra os troikanos acabam embalados, em frascos de boa cortiça, percorrendo os alterosos mares do desemprego e da desdita emigração.
    Grande abraço,
    Luís Sérgio

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    1. Estimado Luís,
      estamos a ficar como o K., protagonista de narrativas kafkianas, que acharia, caso se visse em tão indeterminados papéis, a viver uma espécie de Purgatório na Terra!... As tuas últimas palavras soaram-me, infelizmente, a profecia, e o que me preocupa é podes estar a pregar num deserto de ideias...e de reacções - o que ainda é pior!

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