terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Agarrá-lo pelos ditos!...

Há quem coma do melhor e do bom,
Sacie a sede com Cartuxa e Chandon,
Mas eu, que por tais farturas não passo,
Cinjo-me a pataniscas e bagaço
(Não deixam de ser coisa que enfarte),
E, por vezes mesmo, há mousse de chocolate,
Embora, naturalmente, instantânea –
Esta, assim, a minha dieta mediterrânica,
Que é q.b. p’ra sustentáculo
Deste tão pouco exigente receptáculo.
P’ra mais, é sabido que a aguardente
Faz o homem fraco valente,
E faz também, em estreita concomitância,
Que um homem esqueça que teve infância,
Ou que existiu, ou que existe sequer,
Pois é pior que paixão por mulher,
Não resta qualquer tino na cabeça
E é daí que, enfim, tudo se esqueça…
Outro efeito secundário do bagaçame
Sucede como se houvera derrame
Ou se batera co’ a cabeça na parede;
O mal primeiro é ter sede,
Como já se viu, e, quanto ao resto,
É resultado directo e incontesto.
Este dito efeito último,
O qual, como disse, não é único,
Faz com que eu veja a vida
Não às direitas, mas distorcida:
Tudo se exacerba, hiperboliza,
A realidade como que se desenraíza,
O mal aproveita, o bem não presta,
Tudo fica em proporção grotesca,
E eu, enfim, não sei a quantas ando,
Não sei onde estou, nem quando,
E nem me ralo, p’ra ser sincero,
Mais bagaço cala o desespero,
E assim, distorcida todavia,
A vida continua a ser vida,
E isso, p’ra mim, é quanto baste,
Vou de sucesso em desastre,
E vice-versa, ou versa-vício,
Enfim, ossos (ou fígado) do ofício…
Em suma: vejo uma coisa acontecer
E depois, passado o tempo do beber,
Recordo-a, mas sem qualquer exactidão.
Dizem tratar-se de uma alucinação,
Fruto de intelecto lasso,
Mundo visto através do bagaço,
Mas como nalguma hei-de fiar-me,
Não acho razão para alarme,
Pois, vá-se lá saber porquê,
A gente acredita, sim, mas no que vê,
E se isto não é, nem nunca foi,
Não será essa a ferida que me dói,
Nem quanto me faz frágil.
Vou demonstrar-vos, p’ra ser mais fácil:
Destes dias, do que me lembro?
Que andaram para aí num parlamento,
Não sei se congresso, comité, ou comício,
Com declarações estilo fogo-de-artifício,
Que estoiram no ar, fazem barulho,
Mas que no fim são só entulho
Com que nos enchem os ouvidos…
Lembro que, algures, estiveram reunidos,
Sendo o seu chefe destacado,
Vejam lá, um coelho engravatado,
Tendo, à ilharga, nas suas intervenções,
Outros coelhos enormes – dir-se-iam “coelhões”…
Consta que esta bicharada é que manda
E que é uma quadrilha nefanda,
Mas isto, convenço-me eu, é delírio
De quem tem no bagaço martírio,
Pois um coelho engravatado
Só pode ser ideia de tresloucado!
Deduzi, porém, das suas discussões,
Que p’ra chamar o coelho-mor a razões,
Há que agarrá-lo pelos outros, pelos “coelhões”,
Que esses sim, é que mandam nas decisões…
E agora, perante isto, o que faço?
Será tudo obra e graça do bagaço?
Não sei, nem quero sequer saber –
É que o que ganho…é quanto dá p’ra beber…

El Rey Ninguém

(notoriamente aguardentizado)

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