quinta-feira, 4 de julho de 2013

Um Roubo de Planos

Saí a coberto da noite, quando tudo dormia
E vinha ainda bem longe o dia.
Ocultei corpo e rosto com uma capa,
Esgueirando-me, pelo escuro, à socapa,
P’ra que ninguém de mim desse fé.
Cruzei ruas e vielas, tudo a pé,
Atravessando a velha ponte, envolta em neblina,
E desaparecendo, logo em seguida, após uma esquina -
Um vulto resvalando para a sombra…
Ponto negro que em negrume não se encontra,
Assim era eu, da cor do alcatrão,
Ora assomando, ora evanescendo num desvão.
Um pouco à frente, um gato sai-me ao caminho,
Também ele, como eu, um outro tanto sozinho…
Fora isso, apenas quebra o ar a ressonância
Do ladrar de cães, perdidos na distância,
E o surdo tamanquejar sobre a calçada…
Ei-la, enfim, além, erguendo-se destacada,
A casa que desde há horas procuro.
É, tão como eu, vulto omisso no escuro.
Ante a porta, um breve lanço de escadas,
E, ominosas, guardando-o, estão duas gárgulas.
Entro sorrateiro, sem anunciar minha presença,
Galgo uma outra escadaria imensa
E dou comigo no estreito corredor de acesso
Ao atelier desejado. Visitante inconfesso,
Ajo furtivo, silencioso; lá fora, como nada existisse,
Só o rio rumoreja, em seu plácido deslize…
Volto a minha atenção para o postigo.
Espreito. Estou perto de todo o fim pretendido:
É aqui, junto à janela, esquecidos numa mesa,
Que descubro, do Escultor, os rascunhos da Beleza!...
Dou-me pressa e saio, fugindo ao meu crime,
Não acorde o Criador e, entretanto, me fulmine.

Dali os trouxe, junto àquela janela, sobranceira ao rio,
Os planos de quem teu corpo, tão destramente, esculpiu…


El Rey Ninguém

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