sexta-feira, 7 de junho de 2013

Cais da Despartida

Parece que em tudo o que se faz se desdiz
O que anos a fio escreveu o Luís:
Gente que partiu em busca do desconhecido,
E, a mim, mandam-me aceitar o estabelecido,
A mim, que só quero saber qual o preço
Deste ‘ser português’, mas sê-lo do avesso,
A mim, logo eu, que procuro um mar dentro de mim,
Mas que olho ao redor e me flagro assim,
Sentado, à extremidade de um promontório…
A carne petrifica-se-me, e o olhar marmóreo
Quer fitar além de tudo quanto lhe mostram.
 
 
Quer barcos que partem, outros que acostam,
Não quer divisas, insígnias, estandartes de impérios,
Se os houver, quer erguê-los, mas etéreos,
Um sonho sem chão, sequer pedra ou cimento,
Erigido ao alto, mas construído p’ra dentro…
Exigem-me, porém, plácido, lasso e langue,
Que corra em mim tal eflúvio que não o sangue
Que herdei, ainda imberbe, de meus egrégios avós.
Que invisíveis mãos me amordaçam a voz,
Me recobrem os olhos de um cáustico sal,
Me esmagam a alma a querer ser Portugal?!...
Deixem, por um instante, que seja nau, e que navegue,
Que às vezes, só partindo, já é certo que se chegue… 

El Rey Ninguém
 
 
Nota: foto de Delfim Dias.

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