segunda-feira, 26 de março de 2012

40 dias, 40 noites



E foi então que o nosso herói, Jesus da Galileia,
Foi assaltado por uma inominável diarreia,
E estando em pleno deserto,
E não tendo um WC por perto,
Por tal deserto vagueou, 40 dias, 40 noites,
Sentindo, nas tripas, uns tais açoites,
Que assim julgara acabar sua existência,
Pois que o esfíncter já mal opunha resistência
A toda aquela pressão intestinal tremenda!
Não sabia ele que andava na sua senda
O senhor de todos os pecados e vícios,
O qual acha estes momentos propícios
Para sujeitar as almas a um qualquer teste,
Mesmo que seja a do Filho do Pai Celeste.

‘Se tens a tripa assim, tão aflita,
Porque não transformas aquela pedra numa sanita?’ -

Foi, de Belzebu, sua primeira tirada,
Logo após Cristo sofrer brutal guinada.

‘Grandes são as dores que me consomem,
Mas, está escrito, nem só do cagar vive o Homem!...’

E seguiu caminho pelo inóspito deserto,
Alheio ao calor e à picada do insecto,
Até que Belzebu, com ardilosa palavra,
Voltou, pleno de insídia, à carga:

‘E aquela folha de palmeira, símbolo ecuménico,
Porque não a transformas em papel higiénico?’

Cristo respondeu: ‘Apesar das presentes amarguras,
Tal papel é indigno das Sagradas Escrituras!...’

Estava visto que Belzebu não tinha sorte:
Cristo não acusava o menor desnorte,
Prosseguindo, embora sem alargar a passada,
Receoso, por descuido, dalguma súbita descarga.
Ora pela manhã, Belzebu, ainda meio estremunhado,
Reparou que Cristo já se tinha afastado,
E então, aterrorizado de o perder,
Desatou, feito um maluco, a correr,
E estando quase a tomar-lhe a vantagem,
Eis que Belzebu entrou em derrapagem,
Como estivesse a fazer patinagem artística!
Pensou tratar-se de uma intervenção metafísica,
Mas logo reparou, olhando o seu casco, todo porco,
Que pisara, inadvertidamente, um monumental cagalhoto!

‘Não posso acreditar! Jesus Cristo, foste tu?!’

Vade retro, Satanás! Não queiras culpar-me o cu!
Não incrimines o Senhor com vãs acusações,
Muito menos a autoria de tais defecações!
E repara – tu, que tão ignominiosamente te comportas! –
Junto a esse cagalhoto, um par de botas,
E saberás então, sem que tenhas quaisquer dúvidas,
Que tais botas são as que um dia perdeu Judas,
Quando fugia, quiçá, da sua consciência,
Deixando, para trás, esse foco de pestilência!
Não me tentes, Satanás, intentando a minha queda,
Pois é certo que acabarás pisando merda!...’

É bem verdade que a Divina Providência providencia,
Tal que, léguas depois, Cristo se deparou c’uma latrina,
Onde, volvidas tais tribulações, tão indignas,
Se libertou das matérias candentes e malignas.
Quanto a Belzebu, de pé borrado no meio do deserto,
E não havendo, p’ra limpar, umas ervinhas por perto,
Por lá anda, entre dunas, a saltar ao pé-coxinho,
Diz-se que amargurado, e completamente sozinho –
Assegurando, porém, que a Judas, e por honras de Belzebu,
Se o apanha, mete-lhe uma rolha no cu!

El Rey Ninguém
(em penitência quaresmal…)

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