terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cogito... asinus sum!

A consciência de um homem, que é a ferramenta mais prodigiosa que possui para se expandir além dos limites da vulgaridade, muitas vezes, por simples obstinação, fá-lo, ironicamente, mirrar e encerrar-se ainda mais dentro desses limites. Quiçá o admitir-se sempiternamente e de algum modo burro seja o primeiro e supremo acto de inteligência humana, quiçá…Volta, René Descartes, estás perdoado! 

Cogito…asinus sum



Há certo de determinado burro que eu conheço,
O qual, não parecendo o que sou, é aquilo que lhe pareço
(Como diria, com truques de linguagem, o António Aleixo,
Referindo-se a sentidos cuja interpretação aqui vos deixo…).
Estoutro burro, por comer palha sempre no mesmo pasto,
Perdeu, por azar, a noção do quanto o mundo é vasto,
E por zurrar, sempre e ainda, nas mesmas pastagens,
Desconhece, afinal, haver no mundo outras tantas linguagens…
Mais: o facto de tal pasto estar ao fundo de um remoto vale
Faz com que se julgue um burro sem par nem igual,
Tanto que, estando aí, e zurrando nas quatro direcções,
Pensa ser absoluto senhor de todos os conhecimentos e razões
Dos quais é composto este mundo – e pudera! -,
Pois remoendo, dias e noites a fio, na mesma erva,
Todo aquele pouco que come, para ele, é muito,
E se calha a provar doutra coisa, é acontecimento fortuito
E a não repetir de futuro, e isto porque aquele corpo,
De tão habituado àquele palhame, já não quer outro,
E assim, quando zurra, num zurrar arrogante e burgesso,
Repete, invariavelmente, quase sempre, o mesmo verso,
E se o contrariam, zurra ainda de modo mais feroz,
E só fica, enfim, plenamente satisfeito c’o eco da própria voz,
O que quase sempre sucede, estando em tal vale encurralado,
E não lhe interessando entender as dietas doutro gado,
Seja da vaca, do boi, do potro, do cavalo, ou do bisonte,
Os quais até conhecera, pudesse ver além do estreito horizonte…
Mas não! Pasta e zurra, zurra e pasta, enche o bandulho,
E zurra outra vez, mas a pontos de tal barulho
Não se saber, estimados senhores, ao fim e ao cabo,
Se é obra do seu focinho, ou se é proeza do seu rabo!
Assim como assim, vai daí que D. Consciência, sua proprietária,
Responsável máxima destoutra exploração pecuária,
Não fora, por deletérias influências de terceiros e malignas,
Perder este burro o seu cúmulo de virtudes asininas,
Melhor fez, e não perdendo tempo a pensá-las,
Onerou o pobre burro com canga e um par de palas,
Para que, a salvo de toda a maldade estrangeira,
Paste e zurre, sim, mas sempre da mesma maneira!
Abençoado seja tal burro, fora os que ainda estão p’ra vir,
Pois p’lo focinho ou p’lo rabo, já é certo o que vai sair!
É deixá-lo andar, co’a vista afunilada e a canga na cerviz,
Pois assim como vai, está bem que é burro… mas é feliz!

El Rey Ninguém
(e o burro… sou eu! - como dizia o outro...)

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