sábado, 16 de fevereiro de 2013

Infernovernia

Não é o Inferno, afinal, como se pensa,
Ando enganado desde a nascença,
Que se eu soubesse ao que vinha,
Não tinha acreditado nessas histórias da carochinha,
De que Inferno é fogo que não mais acaba,
Presidido por um tipo dúbio, com pés de cabra,
O olhar como brasas, todo ele lúgubre, lúbrico,
E expirando, pelas narinas, baforadas de sulfúrico…
Quem assim o pintou enganou-se, decerto, na pintura,
Inferno não é geena que p’ra todo o sempre perdura,
Não são fornalhas a arder, nem são almas em sofrimento,
Não é o Ser a resvalar p’ra sempiterno esquecimento.
O porquê: hoje, com uma lâmina, golpeei a minha carne,
E o sangue que saiu, viscoso, desse derrame,
Era quente, verdadeiramente quente, não cálido, sequer ameno,
Mas quente, absolutamente quente, como dizem ser o Inferno;
Hoje, também, quando te despi, toquei, beijei o ventre,
A tua pele vibrava e era, como todo o resto, assim: quente;
A própria Terra-Mãe, onde me prostro, em que me lavro,
É ainda mais quente a cada palmo que nela escavo;
E ao raiar do dia, a Estrela da Manhã, bela, aurifulgente,
Deposita-me no rosto a sensação que é a de ser quente…
Por conseguinte, em tudo onde há vida, há calor, há prazer,
Aí, estou certo disso, o Inferno nunca foi, não pode ser.
Não há-de, por isso, ser o Inferno inóspito, ardente, fétido,
E terá, em vez e por força, que ser um sítio gélido,
Onde o calor e a luz sejam coisa que não vinga,
E não haja, além disso, coisa outra que o distinga
Senão gelo, gelo que tudo cobre e abraça, num amplexo glacial,
E neve, neve que se empilha num brancor sem igual -
E essa algidez insensível, por tudo isto, pelo menos,
Seja arquétipo do mais desumano dos infernos…
Porque hoje eu não quero descer, quero subir a esse Inferno,
Que eu sei que ele é no cume da montanha, quando Inverno,
E eu quero ir lá, eu irei lá, sem companhia, todavia, assim, sozinho,
Que mesmo pró Inferno há sempre placas no caminho…
 
El Rey Ninguém
(Saindo de hiberno estado…)

Nota: fotografia da autoria de Delfim Dias.


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