terça-feira, 1 de maio de 2012

Sonho de uma noite de Maio


Sonhos como este, devem ser menos que um em mil:
O calendário, na parede escalavrada, acusava 25 de Abril,
E havia nas ruas como que o ruído
De grito de um povo oprimido.
Vim espreitar à janela, curioso, inquisitivo,
Mas, no pavimento, nem um, sequer, ser vivo…
Que estranha ilusão em mim se produzia
Àquela incipiente hora do dia.
Lá fora, o silêncio sobre tudo,
E, dentro de mim, um estertor surdo,
Um rugido insubmisso, uma vozearia
Desde o Terreiro à Mouraria,
Obra de milhão e outros tantos.
O ano é 3000 e não sei quantos,
Os números diluem-se-me na retina,
Parece-me ver alguém à esquina,
Mas não, enganei-me. O crepúsculo
Atiça em mim qualquer músculo
Susceptível ao humano
E torna-se irrelevante o ano;
Só o dia e o mês
Ressoam a qualquer coisa, ainda, de português.
Pelas sete, há, como insectos,
Gente a emergir dos becos,
E o zumbido que o ar vergasta
Vai desde ali até à Praça,
Multidão que quase se atropela, incauta,
Movida por não sei que flauta.
Por qualquer rua ou viela,
A multidão é mar que encapela
Ou rio que serpenteia em S,
Desagua, em pleno estuário, e desaparece…
Que estranha forma de vida
É ser corrente diluída,
Gota que noutra se imiscui,
Um ser que se liquefaz e dilui,
E, dentro de mim, abissal,
A consciência de um Portugal
Que a luz diurna pulveriza,
No sonho, apenas, se concretiza,
É só pó de relicário,
Folha mil vezes caída, ainda, do calendário,
Um canto chão e varonil
E ainda à espera de ser…Abril.

El Rey Ninguém
Em jeito de homenagem a quem crucificou carne e espírito na luta pelos direitos dos trabalhadores.

Nota: imagem retirada de http://criominhavida.blogspot.pt/2009/05/dia-do-trabalhador.html

1 comentário:

  1. Gostei ! Tens de vir aqui ao CNO ao Ler + ( tipo tertúlia ) às 5ªs ( última 5ª de cada mês ) lemos e gostamos de poesia : ) manela paulo

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