sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Monólogo da Formiga

Uns não conseguem, mas há quem consiga
Encaixar-se, por inteiro, no seu papel de formiga,
E isso não querendo, aquém de qualquer quimera,
Ser-se a cada instante, pois claro, o quanto de si se espera.
Assim, outros, taxando os demais de cegos, vesgos, ou zarolhos,
Quiseram ser mais, quiseram, inclusive, ser piolhos,
Porque queriam ir além do que eram, além do seu meio,
Nem que a custo de chupar o sangue alheio!...
Outros, adoptaram diversa pose
Com que camuflam uma tremenda psicose,
E é tão mais que comendo os outros, e até os seus,
Deixam de ser formigas, e passam a ser louva-a-deus.
Outros, por seu turno, se lhes chegam pelos joelhos
As marés do trabalho, decidem virar escaravelhos
E exercem uma arte dir-se-ia assaz furtiva,
Que é dar cabo daquilo que quem trabalha cultiva.
Outros, ainda, especializam-se na maquinação de conflitos,
Convertem-se numa espessa nuvem de mosquitos
E nada fazem do quanto fora preciso,
E o melhor que produzem é esgotar-nos o juízo!
Outros, à pala de evasivas considerações,
Metamorfoseiam-se em perigosas vespas, ou vespões,
E andando sempre à cata de inocular o espigão,
Todo o rastro que deixam é uma colossal inflamação!
Mas eu… eu não! Térmite, obreira ou rabiga,
Sempre me contentei em ser formiga;
Trabalho, suor e pão sempre foram minhas verdades,
E nunca fui formiga além das minhas possibilidades…
Trabalhei, e recebi por quanto trabalhei,
E quanto aos outros, simplesmente, não opino nem sei;
Só sei que se com ser formiga vivo a contento,
Porque vêm libelinhas mandibular-me o sustento,
Arguindo que fora por viver acima do que podia…?
Mas como assim? Eu, que consumi menos até que produzia…?
E é tudo isso quanto, afinal, a mim me intriga,
Eu, que toda a vida tenho sido, apenas e só, uma formiga

El Rey Ninguém
(possivelmente formiga,
possivelmente no carreiro,
possivelmente em sentido contrário…)

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