A minha natureza peregrina, que tantas vezes me arranca à segurança do meu castelo e me lança a enfrentar o pó da estrada, conduziu-me a uma aldeia recôndita onde, segundo vim a saber, havia uma cega devoção a S. Bento.
Cioso de aprender mais sobre tal culto, dirigi-me, imediatamente, ao oráculo da aldeia, que era um velho de barbas brancas, residente no Restelo. Interpelei-o nestes termos:
Nobre e respeitado ancião,
Como espanta o pensamento
Haver nesta aldeia a S. Bento
Tão tamanha devoção…
Ao que ele me retorquiu do modo que se segue,
a fim de explicar o que ali sucedia:
O povo é quem mais ordenha,
S. Bento quem mais mama,
O povo cava, caça, e anda à lenha,
S. Bento… fica a dormir na cama!
O povo é quem mais se esforça,
S. Bento quem mais tem fé,
O povo já não tem sequer carroça,
S. Bento… dificilmente anda a pé!
O povo é quem mais labuta,
S. Bento quem mais reza também,
O povo tem a memória assaz curta,
S. Bento lembra-se… do que convém!
O povo é quem mais paga o dízimo,
S. Bento quem mais recebe,
O povo aufere o salário mínimo,
S. Bento o máximo, e nunca deve!
O povo é quem mais cria galinhas,
S. Bento quem manda no galinheiro,
O povo cobiça sempre as das vizinhas,
S. Bento… não abre mão do poleiro!
O povo é quem mais do campo trata,
S. Bento quem mais o abençoa,
O povo trabalha que se farta,
S. Bento dá sermões de vida boa!...
E tal devoção, viandante, podes até crê-la estranha,
Ou apor-lhe ainda pior fama,
Mas nem por isso te perturbes,
Pois o Cordeiro de Deus tem tais úberes,
Que se ao povo cabe a ordenha,
A S. Bento, naturalmente, cabe a mama!
E eu, por mim, respondi-lhe, tão-somente, assim:
Oh ancião de barbas encanecidas,
Não dês mais tuas rimas por perdidas,
Pois após ouvir tudo isso,
Creio que nem Satã faria melhor serviço,
E assim, antes que o mal se me pegue,
A S. Bento vos deixo de todo entregue.
Tão cega fé levá-los-á ao Céu?...
Não tarda ainda lhe levantam um Palácio, digo eu…
El Rey Ninguém
(peregrino em chão blasfemo, está visto…)
Céus, gostei muito!
ResponderEliminarEssa maneira irónica de retratar os males da nossa sociedade a sério que me fascinam.
Ainda bem que ainda podemos dizer o que queremos e da maneira que queremos porque isto qualquer dia vira outra vez ditadura com as promessas que fazem e não cumprem, só vamos de mal a pior!