Dizem que a Justiça é cega – é um facto! –,
O que faz com que a provecta demoiselle
Se veja forçada a recorrer ao olfacto,
P’ra perceber quem prevarica e é cruel,
Por um lado, e, por outro, está bem claro,
Quem é que, ao tortuoso caminho e amaro
Do crime, da fraude, da burla e dolo,
Prefere, em vez, o da virtude e rectidão,
Buscando, em seu colo, enfim, o consolo
De saber justa a espada em sua direita mão…
Só que a balança, mercê de tanto ano,
De quando em vez permite um engano:
Uns gramas a mais, outras vezes a menos,
Com o prato a inclinar-se, pronunciadamente,
Para o lado não dos fracos e pequenos –
Sinal, está visto, bem por de mais evidente
De que urge engendrar a calibragem
Dos pratos símbolo de uma mensagem
Que, com o tempo, a pouco e pouco se esboroa,
Como, de resto, tudo o mais à sua volta…
Assim é no reino cuja cabeça é Lisboa,
Onde, assim parece, anda a ferrugem à solta,
Carcomendo os pratos, que se quereriam agudos,
De modo que favorecem quase sempre os graúdos…
‘Aqui d’El Rey!’ – grita-se a pulmão cheio;
‘Há que pôr boa essa balança, pô-la em ordem,
Pois se não há quem a isto ponha freio,
Então justiça é só p’ra uns poucos que podem!'
Deus nos ajude, e nosso Senhor Jesus Cristo,
Pois que é isso o que mais entre nós se tem visto!
Mas desde já vos digo: a coisa não está fácil!...
Restringida, por natureza, ao exercício do olfacto,
A Velha Senhora fica nas mãos de gente assaz hábil
Que consegue pender p’ra onde quer o dito prato;
E p’ra isso, meus amigos, há técnicas infalíveis,
Para, mesmo culpados, jamais passarem de presumíveis!
Uma delas, como todo o bom dia se vê,
Consiste em entupir-lhe as fossas nasais,
Não com pólen, ácaros, pimenta, ranho ou rapé,
Mas com um corrimento de erros processuais!...
A outra é pôr nos pratos, tornando difícil calibrá-los,
Pois queiram lá saber… uma caixinha de robalos!...
El Rey Ninguém
(a ganhar balanço
para não ser pesado em tal balança…)
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