Tive, por um instante,
uma como revelação:
Vender-me – nem mais! -,
mas a bom preço!
Por exemplo: se vender
aquilo que eu pareço
É seguro que, mesmo tendo
em conta a inflação,
Arrecadarei, p’ra meu
gáudio, bela maquia.
Afinal, trata-se, em todo
o caso, de ser vivo,
Embora, aviso já!, eu não
passe o recibo
Correspondente à
transacção, mas nem franquia!,
Porquanto se fora de mim
tenho vivido
E este vulgar existir
sempre foi espécie de cela,
Que seja adepto da dita
economia paralela
Não deixará o incauto
cidadão compungido
Por me furtar a
obrigações de natureza fiscal.
O que fui deixou por ser
ainda muito de sobra,
Mas um homem vender-se é
como à banha da cobra:
Ter jeito pro negócio – e
muita lábia! – é quanto vale,
E o resto são coisas de
bem somenos importância.
Vendo-me, pois sim!, quer
avulso ou a retalho,
E se for por inteiro, então
ainda menos me ralo,
Com direito, p’ra remate
de stock, a traumas de criança
E às mulheres que eu,
enfim, desamei de tanto amar!...
‘O que é demais é doença’
- sempre meu pai mo disse,
Mas eu raras vezes, oh
tão poucas!, subi à superfície
Para encher os pulmões
desse tão precioso ar
Da razão. Parece que vivi
sempre em apneia,
Mergulhado em mim mesmo,
num qualquer abismo
Em que, ainda hoje, volta
e meia, cismo –
Mas isto não é bom que se
saiba ou se leia,
Pode dar-me cabo da
potencial clientela.
Há, em suma, que
vender-se o que não se é,
Mostrar-se católico,
mesmo sem pinga de fé,
Ou, achando-a enfadonha,
gritar que ‘a vida é bela’
E que vale bem a pena
desfrutar, ser vivida,
O que, no meu caso, é
exactamente assim,
Pudesse haver outro que a
vivera por mim!
Mas pronto, chega! Chega de
considerações existenciais,
Chega de estar aqui,
feito penitente, a cuspir pró ar.
Negociemos: isto é preço
de feira, é pegar ou largar,
Senhoras e senhores,
cheguem-se à frente, quem dá mais…?
El Rey Ninguém
Nota: foto da autoria de A. Jorge Caseirão (in
"Fotografia: Retrato. Fidalgos, Galgos e Pardais...").
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