Não tenho qualquer
diploma, sequer certificado,
Mas sinto-me mais que
perfeitamente habilitado
Para o desempenho das
funções de boy!
Sendo assim, vou
contar-vos como foi
Que se desenrolou esta
vida, ora pois claro.
P’ra começar, saibam que
jamais fui avaro
E que sempre partilhei
com os mais chegados,
Nomeadamente roupa velha
e brinquedos estragados,
E que, na escola, era um
menino exemplar,
Exímio, desde logo, e
muito!, na arte de copiar,
A qual é, entre os
homens, uma espécie de comunhão.
Sempre me dei c’ o fraco
e c’ o matulão:
No fraco, arreava-lhe
tareias enormes,
Ao matulão, dizia que o
fraco lhe chamava nomes -
E assim, como vedes,
dava-me bem com todos.
Com a senhora professora,
tinha bons modos,
Não era como o resto,
cambada de fedelhos!...
Ratos, ratazanas,
louva-a-deus e escaravelhos,
A toda esta perturbante
zoologia
A minha estimada
professora – quem diria? –
Reagia com um estado de
puro assombro,
Quando a descobria na sua
mala de ombro
Onde eu, previamente,
como é lógico, introduzira
(Oh quão bem me lembro
dos gritos da D. Elvira!...)
Essa panóplia de roedores
e de insectos.
Mais tarde, chegado à
idade dos afectos,
Estando eu no pináculo da
juventude,
Deu-me p’ra me enrolar co’
a filha da Gertrudes,
Moça adepta de aventuras
entre mantas e lençóis,
Nunca satisfeita, nem com
um nem com dois,
E que não tardou, certa
altura, é verdade,
A outorgar a mais de
vinte a paternidade
De um broto que alegava
trazer no ventre.
Então, logo aí, senti uma
vontade premente
De ir conhecer outros
sítios. Disse assim ao sogro:
“Estimado, vou trabalhar
para Vila Diogo!...”
O que o homem terá
entendido, certamente,
Ir ganhar, para o neto, o
respectivo sustento,
Ideia que me apressei a
confirmar, logo ali,
Tanto que, até hoje, nunca
mais lá apareci!
Resumindo: ando sempre à
pendura, nunca menos,
Pouco ou nada quero saber
dos pequenos,
E quando me chamam,
legitimamente, à pedra,
Viro costas, ignoro, implicitamente
mando à merda,
E ainda acato bem a
acusação de gatuno ou labrego!
E então, como ficamos? Tenho
o emprego?...
El Rey Ninguém
Nota: foto da autoria de A. Jorge Caseirão (in
"Fotografia: Retrato. Fidalgos, Galgos e Pardais...").
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