sábado, 9 de julho de 2011

Agência de Notação Vinhateira

Além disso temos o Tonho da Suzete
E o Acácio da Etelvina,
Gente que não sabe o que é a internet
Mas a quem muito fascina
Que da uva preta e redonda
Se produza vinho de arromba
Com que humedecem a palavra
No tasco da Tia Aninhas.
É converseta que nunca mais acaba
E onde o néctar das vinhas
Dá azo a acesas discussões
Entre aqueloutros dois varões

Que sobre tudo se acham no direito
De dar a sua opinião,
Avaliando, classificando, a torto e eito,
Sendo a base de sustentação,
Dessoutras disputadas querelas,
Grau de tinto… e molho de moelas!

Não é, por isso, de espantar
Que o Tonho e o Acácio
Saibam do que estão a falar
Quando falam de risco e ratio
E outros palavrões de circunstância,
Como downgrading, ou maningância…

 E é assim, por estas e por outras,
Que estes dois senhores
São chamados, vezes não poucas,
A prestar seus fiéis favores
Nas já habituais quezílias
Que opõem, umas vezes, famílias,
E outras, simples homens de enxada,
Taberneiros, pastores, gente séria e maralha,
Os quais, por tudo ou por nada,
Ou por dá cá aquela palha,
Dizem que fazem e acontecem,
E depois, sobre o que prometessem,

Querem os outros saber, claro está,
Qual o risco de incumprimento
Resultante de todo esse patoá,
Pólvora seca e pé-de-vento,
Que fazem as delícias da aldeia
Entre lua nova e lua cheia.

Então, Tonho da Suzete, Acácio da Etelvina
Pronunciam-se com a autoridade
De quem o assunto bem domina,
E com o cu em cima duma grade,
E com verbo de todo isento e não promíscuo,
Avaliam, então, qual é o risco

De não se entenderem as vizinhas
Ou resolverem os compadres seus enleios,
E isto sob a supervisão da Tia Aninhas,
Que vai mantendo os copos cheios,
Garantindo, desse modo, a isenção
Da Agência de Rating do Garrafão!
E não tarda a sair sentença,
Sempre em termos acessíveis,
Consoante o grau de pertença
A um ou qualquer outro dos níveis
Em que se acha o risco distribuído
No quadro oficial estabelecido:

Se, por exemplo, o Joaquim Miguel
Deve cem paus ao Zé Maria
E o magano tem o colchão cheio de papel,
Ora, muito mal feito fora ou seria
Que não pagasse logo quando preciso.
Está, assim, no nível de risco Vinho Liso!

Mas pode suceder diverso caso,
Da parte, naturalmente, do devedor,
Em que ocorra ligeiro atraso,
Porque comprou, sei lá, há dias um tractor…
Mas pagará - e sem fazer farelo! –
E, por isso, o nível de risco é Vinho a Martelo!

Porém, se for, digamos, o Bé Serralho
A pedir o capim emprestado,
Ele que não tem certo o trabalho
E, se trabalha, é de mau grado,
É como vazar vinho novo em fraco odre,
E o nível de risco é, sem dúvida, Batata Podre!

Temos ainda, ademais, a Fátima dos Ferreiros,
Cujos tesoiros, até hoje, não se inibiu
De partilhar, à perna aberta, com terceiros…
Mas como negócio não se mistura com cio,
E o que interessa é pilim e não pentelho,
Pois bem, o nível de risco é Estrume de Coelho!

Por fim, temos ainda o Chico Esperto,
Que pede a todos e mais alguns,
Na mercearia, manda pôr no prego,
E meios de pagamento, não tem nenhuns,
Embora sempre à coca, a ver se saca…
Está, notoriamente, ao nível de risco Bosta de Vaca!

E abaixo disso, afirma o Tonho da Suzete
Em coro c’o Acácio da Etelvina,
Está gente que aflige vinte sete,
Especuladores que espreitam a cada esquina
E cujo risco de confiança é tão indizível,
Que, abaixo da Bosta, com eles, tudo é possível!...

El Rey Ninguém
(ocupado, a ver se no Simplex 
também abrem agências de notação financeira 
a la minute, ou a la carte, tanto faz!...)

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