Se exprimi-lo não vos ultraja,
Dir-vos-ei que mais que uma gaja
Partilha o leito onde repouso.
É só mais uma, que a mais não ouso,
Que nem nas visões mais alucinogénias
Me imaginei assim, com duas fêmeas,
E ambas, por sinal, de formosura
Equivalente talvez apenas à mesura
Com que me tratam entre lençóis:
Com todo amor, todo zelo, pois,
Me estreitam contra si, nesse aconchego,
Que descanso é de todos o mais ledo
Que, para mim, desde sempre desejara!...
Por vezes, contra a minha se escancara
A boca, dócil boca de qualquer delas –
Assim se ocasionam venturas mais belas
Das que possam em verso algum caber.
Quaisquer palavras estão aquém do prazer
Que as duas, em tais momentos, me infligem:
Caio assim a pique, numa vertigem
Cujo fim, parece, não se vislumbra,
E tudo isto na penumbra
(Ao abrigo de qualquer indiscreto olho)
Do quarto onde com elas me recolho…
Mas o que mor espanto gera
É que, entre as duas, há uma ela
Cuja fortuna a minha espelha,
E é tal que nisto se assemelha:
Lá em seus aveludados lençóis,
Com gajos, pois bem, dorme com dois!
Haja a quem isto cause horror,
Mas, aos pares, segundo consta, é bem melhor –
Cá sempre ouvi, bem alto, proclamá-lo,
Vale p’rá galinha e p’ró galo,
Que não vejo por que se discrimine
Quem viva sob bênção tão sublime!...
Já me disse um bom amigo – o João –
Invejar-me, por tal, até mais não;
E já outro – o bem mais severo Albertino –
Excomungou-me, baptizando-me “libertino”!
Mas se há coisa que não me rala
São as más-línguas de sala,
E é por isso que reforço e reitero
O que vos disse, para mais sendo sincero:
Gajas, pois bem, durmo com duas,
E uma delas, noutras tantas luas,
Com dois gajos, vo-lo garanto, dorme também!
E a razão para que tudo esteja bem,
Entre as paredes do nosso quarto,
É que somos ao todo quatro,
E não seis, como pensastes depois!
Pode que sejam múltiplos de dois,
Mas, contas feitas, disto se trata:
Durmo com quem amo, mais uma gata,
E nesse leito, como vedes, tão lato,
Dorme, além delas, mais um gato!
E assim, contemplai!, já tudo fica conforme:
Durmo com duas, e ela… com dois dorme!
El Rey Ninguém
(prosélito súbito do pluriamor!
Nota: imagem de AJ Caseirão (in "Desenho: Da Legion Love")