Tanta desgraça no mundo,
tanta miséria sem nome,
E eis que há quem nele
sofra estranha fome:
Diz não gostar de comer ninguém na vida,
Não apreciando, ao mesmo
tempo, ser comida…
Coisa assim, e dita de
forma tão crua,
Faz-nos pensar: como tal
fome se apazigua,
Se é que jamais poderá ser
saciada,
Que nem com comer, ou
comerem-na, se aplaca?...
Há por aí quem queira comer
em espiral,
E uma tal voracidade
semelha a de um canibal,
Tanto que tudo o que mexa e
possa dar prazer
Logo lhe dá terríveis ganas
de comer.
Noutro lado, há quem dê o
corpo ao manifesto
E não ache que seja costume
indigesto
Deixar-se comer por onde se
queira e deseje,
Comendo-a bem comida, até
que nada sobeje.
Agora, quem uma e outra
coisa assim rejeita,
Pensar-se-á a que gosto
singular estará afeita…
Quero julgar que a acometerá
também a fome,
Mas, para matá-la, enfim, a
si mesma se come,
Seus dedos se revelam um
instrumental talher,
E assim ela se prova, se
saboreia, se degusta,
E a quem, esfaimado, a quer
comer, ela, enfim, frustra…
El Rey Ninguém
Nota: imagem de AJ Caseirão, in "Desenhos: Santos Clérigos, Beatas e Irmãs Incorruptíveis."
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