Não sou aquilo que vos
pareço
E tudo quanto vos peço
É permissão para uma
infâmia.
A minha face engana,
Desculpem que vos
frustre,
Mas a minha decência é um
embuste,
Palavra que vos tenha
dito
Seria por estar aflito
Com falta de dinheiro no
bolso,
Estar co’ a corda ao
pescoço,
Ou qualquer coisa assim.
Não vos condescendais de
mim,
Que nada vos peço doutro
mundo,
Só isso mesmo: um
insulto,
Poder escarrar na sopa,
Receber uma esmola e
dizer que é pouca,
Não respeitar contratos,
Ser responsável pelos
actos
Que cometa, tudo bem,
Mas noutra vida mais
além,
Porque nesta em que me
apanho
Todo o meu empenho
Está em trazer à
superfície
A maior filha-da-putice
De que possa haver
memória.
Eu quero, na minha
história,
Uma página escrita a
negro,
Um foco de desassossego,
Um vómito sobre o passeio
E andar com falta de
asseio
Por entre as pessoas
ditas civilizadas.
Eu já não quero saber:
abram alas,
Que eu, a quem aprouver,
De bom grado lhe cubro a
mulher,
E à filha, p’ra ser
prático,
Inclui-la-ei no rito
iniciático!
Isso de ser pessoa com
modos,
Ser santo por vocês
todos,
Para mim já não chega,
A minha própria alma
renega
Qualquer moralidade,
rechaça a ética,
Que importa que morra
anoréctica
À míngua de alimento
espiritual?!
Preocupa-me, apenas, o
pessoal,
E, pessoalmente, não me
preocupo
Com nada, senão c’ o
estupro
De códigos de conduta.
Vós, que tendes vista
curta,
Dai-me lá uma abébia,
Que eu trago em mim uma
caterva
De maldades em embrião
À espera, assim, de uma
ocasião.
Eu já passei pela Santa
Sé
A requerer o auto-de-fé,
E se acharem vazio o meu
espaço,
É simples: estou no
Terreiro do Paço,
Entre tanto outro,
A ser purificado pelo
fogo.
Envergonhei-me de ser só
esperma,
Cansei-me de ser poema,
Quis ser o grito gutural,
Primitivo, de um
Neanderthal,
Eco de alma ainda insana,
Tudo só pela infâmia
A que, julgo, tenho
direito.
Estraçalho, rasgo o peito
Em súplica, mas vós,
Paladinos da tolerância,
vós
Nem isso me concedeis…
Não!, parem!, não inventem
mais leis,
Só essa (o resto que se
dane):
A de, por um instante,
ser infame,
Ser o que se espera, mas
do avesso –
É tudo o que vos peço!...
El Rey Ninguém
(descarnando-se para reencarnar...)
Nota: ilustrações da autoria de A. Jorge Caseirão (in "Desenho: Da ressurreição de Lázaro")
Ilustre , El Rey !
ResponderEliminarEste belo e bem humorado poema, lembrou-me alguns famigerados, que escarram para o homem comum, porque eles bestas disfomes, acham-se acima dos mortais. Tais alimárias, arrogam-se de relvas e a passos de cavaco vão lixando ao resto da manada que, excomungada da mesa farta já nem força tem para os seus ais.
Não havendo ais, tuso o resto é disforme,por isso, que se lixem, bem lixados, os que nos lixam
demais.
Abraço,
Luís Sérgio
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarCarlitos, o nosso El Rey preferido!
ResponderEliminarCá te lemos nestes dias de brasido, por terras mouriscas abaixo do Tejo, onde não se pensa em ética, nem em condutas malquistas, mas tão só numa bela sesta e talvez numa pinguita! Mas apesar desta adormentação, dou pelas notícias que vão caindo embrulhadas na mentira. Promessas, só promessas. Nada de concreto. Só uma incoerência que diz e contradiz. Por isso, consigo vislumbrar bem a tua metamorfose. Antes picar que ser picado e, a poder de nos picaram, vamo-nos armando de picos que nos cobrem de uma nova infâmia: a de sermos o avesso de tudo o que o poder, por decreto, determina. Anti-profissional, anti-pessoa, já que o inverso não é valorizado! Estou com o Luís Sérgio. Que se piquem nos seus próprios cardos que é como quem diz, que um dia paguem pelas enormidades causadas pelas suas decisões e as sinta na própria pele.
Beijinhos e votos de boas férias!