Há quem coma do
melhor e do bom,
Sacie a sede com
Cartuxa e Chandon,
Mas eu, que por
tais farturas não passo,
Cinjo-me a
pataniscas e bagaço
(Não deixam de
ser coisa que enfarte),
E, por vezes
mesmo, há mousse de chocolate,
Embora,
naturalmente, instantânea –
Esta, assim, a
minha dieta mediterrânica,
Que é q.b. p’ra
sustentáculo
Deste tão pouco
exigente receptáculo.
P’ra mais, é
sabido que a aguardente
Faz o homem
fraco valente,
E faz também, em
estreita concomitância,
Que um homem
esqueça que teve infância,
Ou que existiu,
ou que existe sequer,
Pois é pior que
paixão por mulher,
Não resta
qualquer tino na cabeça
E é daí que,
enfim, tudo se esqueça…
Outro efeito
secundário do bagaçame
Sucede como se
houvera derrame
Ou se batera co’
a cabeça na parede;
O mal primeiro é
ter sede,
Como já se viu,
e, quanto ao resto,
É resultado
directo e incontesto.
Este dito efeito
último,
O qual, como
disse, não é único,
Faz com que eu
veja a vida
Não às direitas,
mas distorcida:
Tudo se
exacerba, hiperboliza,
A realidade como
que se desenraíza,
O mal aproveita,
o bem não presta,
Tudo fica em
proporção grotesca,
E eu, enfim, não
sei a quantas ando,
Não sei onde
estou, nem quando,
E nem me ralo, p’ra
ser sincero,
Mais bagaço cala
o desespero,
E assim,
distorcida todavia,
A vida continua
a ser vida,
E isso, p’ra
mim, é quanto baste,
Vou de sucesso
em desastre,
E vice-versa, ou
versa-vício,
Enfim, ossos (ou
fígado) do ofício…
Em suma: vejo
uma coisa acontecer
E depois,
passado o tempo do beber,
Recordo-a, mas
sem qualquer exactidão.
Dizem tratar-se
de uma alucinação,
Fruto de
intelecto lasso,
Mundo visto
através do bagaço,
Mas como nalguma
hei-de fiar-me,
Não acho razão
para alarme,
Pois, vá-se lá
saber porquê,
A gente
acredita, sim, mas no que vê,
E se isto não é,
nem nunca foi,
Não será essa a ferida
que me dói,
Nem quanto me
faz frágil.
Vou demonstrar-vos,
p’ra ser mais fácil:
Destes dias, do
que me lembro?
Que andaram para
aí num parlamento,
Não sei se
congresso, comité, ou comício,
Com declarações
estilo fogo-de-artifício,
Que estoiram no
ar, fazem barulho,
Mas que no fim
são só entulho
Com que nos enchem
os ouvidos…
Lembro que,
algures, estiveram reunidos,
Sendo o seu
chefe destacado,
Vejam lá, um
coelho engravatado,
Tendo, à
ilharga, nas suas intervenções,
Outros coelhos
enormes – dir-se-iam “coelhões”…
Consta que esta
bicharada é que manda
E que é uma
quadrilha nefanda,
Mas isto,
convenço-me eu, é delírio
De quem tem no
bagaço martírio,
Pois um coelho
engravatado
Só pode ser
ideia de tresloucado!
Deduzi, porém,
das suas discussões,
Que p’ra chamar
o coelho-mor a razões,
Há que agarrá-lo
pelos outros, pelos “coelhões”,
Que esses sim, é
que mandam nas decisões…
E agora, perante
isto, o que faço?
Será tudo obra e
graça do bagaço?
Não sei, nem
quero sequer saber –
É que o que
ganho…é quanto dá p’ra beber…
El Rey Ninguém
(notoriamente aguardentizado)
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