Vem o Inverno, com ele o frio, e há que abastecer a despensa com algum cavaco, na vaga esperança de que nos aqueça a casa – isto se o cavaco for de qualidade… -, enquanto lá fora inomináveis tempestades varrem as ruas, sem que ninguém… ligue cavaco!
É tal facto deveras interessante,
O de que exijam contribuição abundante
A quem tem o rendimento parco –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
As contas públicas, quando vêm, enfim, a lume,
Ressumbram, à superfície, certo aroma a perfume,
Embora, no interior, tresandem um fedor a sovaco –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
E já ouvimos dizer, como fosse algo novo,
Que o poder, em democracia, é do povo,
Mas o poder que se lhe dá é um simulacro –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
Venderam-nos o idílio da Terra da Fartura,
Mas fartura que haja é sol de pouca dura,
E ela nunca foi servida em meu prato –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
E enquanto meu alforge esvazia, despejado de tostões,
Outros, sucesso inexplicável!, recebem milhões
Com que enchem, até vazar, o seu saco –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
E os que nos dispensam apenas bola e matraquilhos,
E que são, não da mãe, mas da outra os filhos,
Têm direito à roleta, jogos de sala e de taco –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
Quantos governantes falam, alardeando grande ciência,
Enchendo a boca de “justiça” e “transparência”;
Eu ouço o seu discurso, mas tudo me soa a opaco –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
Toda a sua promessa, embora na altura deslumbre,
É, invariavelmente, palavra que não se cumpre,
Parida, algures, na água morta dum charco –
Isto acontece… e ninguém liga cavaco!
Resumindo: há por demais quem repita o mesmo fado,
Quando, afinal, devia era estar calado;
E se o fraco líder faz o forte povo também fraco,
Por aí se vê o porquê de termos este cavaco,
O qual, contas feitas, é um reles madeirame,
Já não merece que cavaco se lhe chame,
É apenas negro tição de um lume já apagado,
Cinza remanescente de um mundo escavacado!...
El-Rey Ninguém
(meditando à frente de uma lareira
onde já não há cavaco que arda…)
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